Estranho como a gente nunca sabe o que se passa na cabeça das pessoas… Por exemplo, quando eu gostava de um menino da minha classe do colégio, ele me tratava mal na frente dos outros, mas quando estávamos sozinhos, inclusive na sala de aula, ele era muito legal, brincalhão, atencioso e falava coisas bonitas. Eu pensava que eram falsas, mas bonitas.

É claro que era por isso que eu não conseguia desencanar dele. As minhas amigas falavam “como você pode gostar de um cara que te trata mal?” Mas na verdade, ele não tratava tão mal assim e quando estávamos sozinhos… Ah…

A maldade dele era de adolescente. Ele era daqueles adolescentes que gostam de tirar sarro de todo mundo, se bobear até dele mesmo. Mas eu gostava dele. Ele chamava-se Bruno Cardoso. Ou chama, ele tá por aí ainda no mundo. O fato é que eu não sou mais apaixonada por ele, desde o 3º ano do colegial.

Já se passou um tempão que a gente não se vê! A última vez foi há dois anos e meio, na festa de formatura da nossa classe, depois de lá, nunca mais. Ele veio falar comigo.

- Oi, tudo bem? – Nessa época já tinha desencanado dele porque ele tava namorando a Malu, uma vizinha minha.

- Vai fazer o que, agora que acabou o sonho?

- Você se lembra, ainda? Faz tanto tempo. – Eu sempre falava que o colégio era um sonho e que eu morria de medo de acabar quando eu tava no, sei lá, primeiro colegial.

- É… Eu concordava com você, lembra?

- Eu vou ser escritora.

- E eu vou ter uma prateleira cheia dos seus livros em casa…

E sorrimos…

Nesse dia a gente ficou conversando um pouco e ele não me tratou mal na frente dos amigos, todos acabaram muito unidos, mas no dia seguinte parece que todos se esqueceram. Sobraram poucos pra mim, e deve ter sobrado pouco pra todos.

Cardoso agora é estudante de publicidade e eu de jornalismo. Dizem que ele faz na mesma universidade que eu, mas isso é lenda… Quem me contou isso foi um amigo dele o Daniel. Nós também éramos amigos. Ele viajava às vezes, mas era um cara legal.

Foi uma noite de jogos olímpicos da nossa antiga escola. Nós, os ex-alunos, podíamos participar jogando ou ajudando na organização, eu só fazia as inscrições.

Estava frio, foi lá pra junho, ele estava conversando com os amigos dele, os que eram da nossa classe. Eu marquei de encontrar com ele lá pra conversarmos. Eu dei um olá geral e nele, meu amigo daquela época, dei um abraço.

Ele pegou a minha mão e me puxou. Começou a andar comigo em volta da quadra, envolvendo seus braços no meu ombro. Conversamos sobre as atualidades de nossas vidas e ele perguntou do nada:

- E aí, quando foi a última vez que você viu o Bruno?

- Cardoso? Nossa, na nossa festa de formatura. Talvez eu tenha visto ele por aí pelo bairro, mas não conversamos. Por quê?

- Ele sempre foi meu amigo, até hoje nos falamos. Às vezes falamos de você.

- Sério? Bem ou mal? – Falei dando uma risada tímida.

- Outro dia nós lembramos que ele gostava de você naquela época.

Fiquei séria e gelada. Parei na frente dele.

- Porque você está me dizendo isso?

- Não fica chateada comigo, ele não podia ficar com você…

- Por quê? Somos algum tipo de irmão para ele não poder ficar comigo? E… Você sempre soube? – Meu tom de voz aumentou e eu me afastei dele, ainda encarando-o…

- Por favor, não fica chateada comigo, eu nunca soube como começar uma conversa…

- Você tá me zuando? Quem é você e o que fez com meu amigo Daniel? O Daniel que eu conheço conversa com todo mundo e conversa bem, o cara!

- Nunca soube começar conversas com você.

Parei. Deixei nossa distância menor.

- Dani, você está me deixando aflita, fala logo seu ponto.

- Você me interrompe com seus ataques de nervos. – Fiquei em silêncio. – O Bruno gostava de você, e era por isso que ele te tratava daquele jeito: sozinhos, ele era legal. Na frente dos outros, um mala-sem-alça.

- Por quê? Ainda não vi sentido.

- Quando você começou a se aproximar da gente porque gostava dele, se lembra? Duas pessoas, ao mesmo tempo, se apaixonaram por você. Era como se fosse um triângulo amoroso, mas isso é muito coisa de novela mexicana. E o outro cara que se apaixonou por você era o melhor amigo dele. Então os dois melhores amigos apaixonados pela mesma garota, os dois sabiam que eles não iam aguentar e o outro sabia que você ia escolher o Bruno, se fosse pra escolher.

- É claro, eu gostava dele. Mas como eu ia saber também, nem imaginei. Quem era… – Minha voz foi perdendo a força –… O melhor amigo… – eu fui tomando consciência –… Dele era você.

- É… – Sorriu sem graça. – Eu tinha que te falar isso, mas tudo bem se não quiser falar nada e mudar de assunto, eu só precisava… Eu tinha que dizer…

- Eu estou meio confusa, ainda, sabe. Porque vocês não me falaram isso? Eu podia ter…

- Ficado com os dois? – Falou brincando.

Rimos…

- Não, eu podia ter… Sei lá, a gente podia ter ficado sem ninguém, mas com a consciência. Quantas vezes eu fui super inconveniente te contar alguma coisa sobre o Cardoso?

- Algumas. Mas tudo bem, eu já sabia.

Silêncio. Nossos olhos se encontravam, mas logo se desviavam.

- E porque disse isso agora? Ainda sente alguma coisa por mim? – “Cara de pau”, pensei.

- Acho que sim. Já achava antes, agora que te vi, muito mais.

- Desculpa por todo esse tempo… Eu…

- Você sentiu isso por mim, alguma vez? Vontade de ficar, pelo menos?

- Não sei, pode ser que sim, mas não sei mesmo.

- Como pode?

Não entendi, fiquei com um ponto de interrogação na testa.

- Como pode o que? Eu não saber isso?!

- Não… – Silenciou por um instante – Ser tão linda.

- Ah, você tá querendo me conquistar?

- Talvez.

- Você QUER me conquistar.

Estranho como a gente nunca sabe o que se passa na cabeça das pessoas… Aproximei-me dele e o beijei. Beijo bom.