Cheguei no prédio onde minha mãe mora há mais de 20 anos e senti um frio na barriga. Será que as lembranças ainda estariam vivas? Resisti por muitos meses visitar mamãe por causa dele. Mas a história teria que ser superada. Aliás, já tinha sido: eu tinha tido outros namorados, vivido outras histórias, sofrido outras decepções.
Ao sair do elevador, vi a porta do apartamento dele aberta. Eu já estava com a chave da porta na mão. Antes que eu pudesse encostar na maçaneta, percebi o elevador de serviço abrir. Escutei a voz dele dizer: "vou colocar essa mala pra segurar o elevador". Olhei pra trás. Ele olhou pra mim. Parou sem dizer nada. Eu não conseguia abrir a porta: tremia e fiquei gelada. Respirei fundo. A voz feminina já conhecia dizia: "que foi, filho? Me ajuda aqui, está pesado".
Esses poucos segundos se tornaram eternos. Estávamos nos encarando sem dizer nada e sem demonstrar nenhuma reação. Nem surpresa, nem alegria, nem medo, nem tristeza. A mãe dele saiu do elevador. Deixou uma caixa no chão. Olhou pra mim e abriu um sorriso.
"Olha quem finalmente veio visitar a mamãe! Dudinha, querida, quanto tempo!" e veio em minha direção. Aquela mistura de alegria e tristeza ao encontrar dona Amália e seu filho Antonio era a única coisa que tentei evitar durante todo esse tempo. Sorri. Ela se aproximou e me deu um abraço. Afastou seu rosto do meu, me olhando nos olhos, tocando em meu rosto. Ela me beijou a bochecha e disse: “como você está linda! Sua pele, seu cabelo!”.
Eu abri a porta de casa e deixei minha mala e bolsa no sofá da minha mãe. Voltei ao elevador para ajudar os dois com as coisas. Eu e Antonio nos cumprimentamos com um beijo na bochecha, apenas. Sem abraços. Com um sorriso sem dentes. “Ele está voltando pra cá por algum tempo, Duda. Não deu certo com a Gisele”, disse dona Amália. Antonio a olhou censurando-a. Ajudei a colocar algumas coisas dentro do apartamento. Duas mochilas. Poucas coisas.
O apartamento estava como eu me lembrava, a não ser pelo piso, que estava sem o carpete que dava alergia nele. Finalmente haviam tirado. Ele disse a mãe que já voltava, ia pegar o resto das coisas no carro.
Dona Amália me convidou para um café. Aceitei, sentei à mesa em que havia colocado as xícaras e um biscoitinho. Nela havia uma caixa semiaberta. Não resisti e olhei. Havia três montes de fotos antigas.
Comecei a olhar os montes enquanto a chaleira apitava que a água já estava quente na cozinha. Vi uma foto de quando tínhamos uns 5 anos, eu e ele. Ele de cabelo loirinho e eu era morena, os dois de cachos. Outra foto no colégio, lá pela segunda série. Um ao lado do outro, rindo.
Antonio entrou em casa com mais duas mochilas. Viu a lágrima que não pude segurar junto com um sorriso. O cheiro de café se espalhava pelo apartamento. “Você viu? Não são demais essas fotos? Eu me lembro de cada uma delas!”, ele disse. Sorri, apontei para uma das fotos e falei: “Eu não lembrava que éramos amigos há tanto tempo”.
Pegou outro monte e passou rapidamente até chegar em fotos da nossa adolescência. No colégio e no prédio. Época em que namorávamos. “Depois vieram outras namoradas, Vivian e Gisele. Mas é de você que sempre lembrei quando precisava de alguém realmente confiável”, ele desabafou. Pegou um porta-retrato vazio e colocou nossa foto da formatura.
Escutamos passos de dona Amália, o café iria ser servido. Só haviam duas xícaras. Dona Amália foi para seu quarto, deixando-nos sozinhos. Chorei. Ele me abraçou. Beijou meu ombro. “Estava com tantas saudades, Duda”. Eu também estava, mas não conseguia dizer. Só chorava. Ele passou a mão no meu cabelo.
“Eu não queria encontrá-lo, Antonio. Vim visitar minha mãe”, eu falei. “Eu sei, Duda. Eu também não queria encontrá-la por enquanto. Mas sempre que te vejo, parece que tudo faz mais sentido”. Ele se aproximou de meu rosto e me beijou. O beijo continuava o mesmo. Mas eu não podia fazer aquilo. Eu tinha um compromisso. Namorava. Eu gostava do meu namorado.
O beijo fez chorar ainda mais. Talvez de emoção. Talvez de tristeza. Dei um passo para trás. Disse não. Dei as costas para ele e saí. Entrei no apartamento da minha mãe. Chorei. Deitei no sofá até minha mãe chegar. Entrou com as compras e deixou ao lado da porta. Ela me acordou como sempre carinhosa. Eu estava com o porta-retrato com a foto minha e de Antonio. Ela percebeu o que tinha acontecido.
Mamãe e eu conversamos. Ela não entende porque não tínhamos dado certo. “Estávamos em fases diferentes da vida, mãe”, eu disse. “Não existe isso, o amor é sublime”, e eu chorava. Conversávamos ainda mais. Não tinha dado certo. Só o amor não tinha sido o suficiente. Existiam histórias, existiam brigas. Existiam mágoas e saudades.
Resolvi que terminaria meu relacionamento aquela noite. Mas não ficaria com ele. Ficaria sozinha. Respirei fundo. Terminei meu compromisso em um jantar. Ele ficou triste, mas já esperava. Já havia dias que eu estava fria.
Na manhã seguinte, antes do nascer do sol, fui para a orla da praia. Sentei a beira da praia. Senti uma mão quente no meu ombro. Olhei pra trás. Era Antonio. Sorrimos. Ele sentou ao meu lado e me abraçou. E assim ficamos. Porque o amor é sublime.