De fato, ele sempre mexeu comigo, desde que a gente se conheceu há uns seis anos. No começo eu não sabia muito bem o que era, pensei que fosse só curiosidade. Todo mundo sempre contava uma história que ele estava envolvido e todo mundo falava das coisas que ele fazia. O motivo para ele não estar mais na escola, sem que eu saiba detalhes, é expulsão. Mãe e pai separados, duas casas, praticamente duas vidas. Pelo que escutei eram três namoradas... ao mesmo tempo.  Claro que esse último fato não me animava muito em pensar nele como um potencial namorado. Mas a mulher tem aquela mania irritante de pensar “ele vai mudar”... Mas nunca vai. Por que estou dizendo isso? Ele me despertava curiosidade.

        Depois de um tempo e um pouco mais maduros nos encontramos em uma balada. Eu estava com um menino e ele chegou na minha amiga, que não estava interessada. Eu que o reconheci, larguei o menino e fui falar com ele. Ele me reconheceu assim que me identifiquei “sou amiga do Carlos, do América!!! Vocês iam jogar bola lá no meu prédio...” e ficamos conversando por alguns minutos, o que chateou minha amiga e o cara que estava comigo, que foi embora.

        Trocamos telefone e MSN, descobrimos que morávamos perto e estudávamos na mesma faculdade, mas em turnos diferentes... Eu não acreditava no que eu estava vendo. Ele tinha passado de um garoto fofo para um homem maravilhoso. Jamais ele olharia para mim, uma mulher tão sem sal. Ele estava tentando ser legal, reencontrar os amigos de antigamente.

        Mas ele olhou. Olhou, ligou e deu uma insistida de leve, depois que eu fiz um doce. Queria me ver, marcamos de jantar. Coitada. Eu achava mesmo que ele estava interessado. Mal sabia eu que ele só queria uma companhia para suas refeições solitárias. O tempo foi passando e eu estava me apaixonando por ele de maneira lenta e dolorosa. Matias era adorável, não tinha papas na língua, gostava de conversar, era meio maluco. Eu sentia que ele era o cara da minha vida. Conversávamos muito, além de umas pizzas, fast foods e sushis, conversávamos muito pela internet e telefone.

        Apesar de trocarmos várias ideias, sentia que ele não me conhecia o suficiente para gostar de mim. E eu não o conhecia o bastante para deixar de gostar dele.  E um dos meus defeitos é forçar a barra e insistir até que não dê mais, até todas as alternativas se extinguirem. Até que um dia, quando eu menos imaginava, ele me beijou. Ele me beijou sem nenhum precedente, inclusive naquela hora, já apaixonada, achava que eu estava sonhando. Ele chegou a se desculpar, disse que foi sem querer, mas que não resistiu. Não pude falar nada, não tive coragem de estragar o momento, foi tão lindo ele ali, frágil, se desculpando. Éramos tipo amigos. E nos beijamos. O que ia acontecer? Detalhe: o beijo me fez bem mais apaixonada. Maldito seja lábios nos lábios.

        O que acontece quando um homem “daqueles” beija uma menina sem sal como eu? Já vi homem feio pegar bonitonas, mas ao contrário é raridade. “precisamos conversar”, ele disse. “manda...” respondi o SMS dele. “vamos sair? Passo ai às 19h, pode ser?”, de duas uma: ou era um pé definitivo ou um pedido de namoro – o que, pelas circunstâncias de beijos sem graça, pedidos de desculpas, grandes momentos de silêncio e nenhum sinal de amor, a primeira opção parecia mais provável.

        E era mesmo, o pé na bunda aconteceu. Embora tenha sido mais um ponto-parágrafo-travessão do que na realidade um ponto final, o final foi triste e doeu muito. Fiquei dias arrasada, todo mundo percebeu, até meu irmão menor perguntou qual era o problema comigo. O final de uma amizade que vinha crescendo, um amor tão ingênuo que não queria ir embora. E mesmo depois de ele tentar um afastamento, ele me procurava. O que era estranho e me incomodava por ele manter contato nos primeiros dias eu não conseguia simplesmente esquece-lo.

        Depois ele achou melhor se afastar, percebeu que algo estava errado. E mesmo depois de meses sem ele me procurar, a não ser esporadicamente pela internet, já tinha se tornado muito forte o que eu sentia por ele. Era um misto de amor, saudade e amizade. Meu coração batia mais forte quando eu escutava falar dele e a voz dele ao telefone para perguntar como eu estava me fazia perder o controle das pernas e meu sangue circulava com mais dificuldade.  Fora o estômago e coração que ficaram apertadinhos ao saber de uma nova namorada e depois de saber o fim do relacionamento.

        "Agora é minha vez”, eu pensava. “não nascemos para namorar... eu e você, Dani, estamos bem como amigos, não acha?”. Ele disse isso naquela ocasião que me buscou às 19h. E eu responderia o quê? Ele comentou isso quando eu disse que ele namorava a todas, menos a mim. Consegui dizer: “podíamos tentar, quem sabe...”, ele mudou de assunto "só vamos saber se tentarmos", eu continuei e ele ignorou.

        Eu já tinha começado inventar defeitos para conseguir esquece-lo, tive que perder forçadamente a minha mais interessante companhia, já estava cansada de tentar. Resolvi colocar tudo a perder, de propósito e de uma vez por todas. Eu queria, de certa maneira, me machucar profundamente para tentar dissimular para mim mesma que eu já havia esquecido.

        Cheguei em seu apartamento dizendo ao interfone que tinha algo sério a compartilhar. Quando ele abriu a porta e sorriu, conferi se não havia alguém não desejável no recinto visível e mandei um “estou apaixonada por você, seu idiota”, junto com um empurrão. Eu juro que fiz isso sem pensar. Quem falava por mim era meu corpo e meu coração batendo. Ah, isso sem contar com um quase acidente que causei enquanto dirigia até ali.

        Ele estava com uma cara de “e precisa esse escândalo?”, mas ele não disse nada. Ficou em silêncio. Depois de um tempo perguntou: “me acha mesmo um idiota? Como pode estar apaixonado por um idiota?”. Não sabia o que dizer. A mais idiota era eu por ter dito aquilo. “não acho você idiota.”, respondi sem jeito. “ótimo, Dani... eu não sei o que dizer. Não sei o que você quer ouvir, não sei o que devo fazer... o que você quer?”. Ele realmente parecia perdido.

        “Nada... Não quero nada... Digo... Quero sim... Quero que você me prove que não fomos feito um para o outro, por que meu coração acha que sim. E ele acha que você está desperdiçando o amor. Ele acha que nos daríamos bem assim como nos demos nos últimos meses, saindo para comer e conversando tanto" Respirei. Ele não dizia nada... Eu não sabia que isso podia acontecer comigo, como se o coração falasse por mim... Eu me aproximei e puxei a gola de sua camisa social e disse, quase implorando: “Prova pra mim, então, prova... Mostra por que não nascemos para ficarmos juntos. Mostra que somos diferentes, que não queremos o mesmo. Namora comigo... Mostra que tudo o que estou sentindo é falso e que é passageiro. Me namora e me prova que tudo não passa uma grande fantasia sem nexo, e que não fomos feitos um para o outro!!!“

        Ele se afastou, virando de costas. “Dani eu...", gaguejou "eu... eu não sou apaixonado por você, Dani”. Ok, e onde está a novidade nisso? “você não deu oportunidade de sentir nada pra dizer que não está apaixonado” você nunca olhou para mim como uma potencial pessoa por quem se apaixonaria... O tempo todo fui a amiga, a confidente, a companheira de sushi", “conheço o suficiente quando gosto de uma menina. Meu coração bate mais forte, minhas mãos suam, meus joelhos não reagem e minha voz fica trêmula. É paixão, é algo repentino, não preciso de muito tempo para saber que eu estou apaixonado"– é tudo o que eu sinto na presença de Matias. como ele sabia bem me descrever... “é isso que eu sinto quando você está aqui na minha frente... e você? Não sente NADA por mim?”, perguntei, esperançosa. “Eu... Ah... Dani... Eu sinto um grande carinho misturada com uma grande vontade de beijar.” 
 
        Isso não tinha nenhum significado, eu era tipo a irmã dele com vontade de beijar? Ficamos em silêncio. Eu já não entendi nada. Será que eu nunca tinha mexido nem um pouco com ele para ele me dar uma chance?

        Logo ele fechou os olhos e respirou fundo. “Dani... Vou te provar...” ele vai me provar?! “sem precisar de...” o que??? “desculpa ter te iludido tanto, criado tantas expectativas em você.” Tá, mas desculpas não vai arrancar o que eu sinto por você. “desculpas não vão arrancar o que eu sinto por você, Matias”, eu disse, quase chorando. “e você acha que me namorando isso vai mudar?”, ele perguntou, virando de costas. “talvez, se você falhar.” “se eu falhar? Como eu falharia?” “Sei lá... você não pode me desanimar, me mostrar que você é bobo e que eu mereço algo melhor? Só um palpite” “Desanimar? Ahn... e se eu disser que eu sou gay?” “não vou acreditar” cruzei os braços.  “E se eu tiver namorada, e se resolvo casar?” “pode não durar pra sempre”, rebati.

        “Dani... você não pode fazer assim. O que eu sinto por você é diferente de tudo o que eu sinto por outras meninas. A gente ficou, eu gostei. Não, melhor, eu adorei. Você é maravilhosa. Mas eu não posso ficar com você, sei lá, não é o momento... Quem sabe um dia eu...” “Pode ser tarde demais. Tranquilo, entendi.”, eu disse. “Sabe o que eu gosto mais em você? Gosto que você tente mudar as coisas mesmo que não esteja ao seu alcance.” Cheguei perto dele. Acariciei seu rosto com as costas da minha mão. Fiquei nas pontas dos pés e dei um beijo no canto da sua boca. Virei. Ele me pegou pelos braços e me beijou a boca... me  afastei, com lágrimas nos olhos, eu estava pronta para entrar em prantos.

        Peguei a bolsa que havia jogado no sofá e fui embora. Enquanto eu esperava o elevador ouvi uns barulhos estranhos em seu apartamento: vidros quebrando, uma criança chorando e gritos... E a voz de Matias dizendo “Calma, Pri, calma... eu posso explicar!”. Tinha uma mulher em seu apartamento e uma criança! “Seu idiota!!! Por que você não falou que a gente estava aqui?” “Pri, ela é minha amiga de anos, é minha melhor amiga”. “Sua melhor amiga? Sua melhor amiga e nem sabe dos seus rolos paternais?” – ELE TINHA UM FILHO?

        Ouvi mais gritos e a porta se abriu. Pela voz dela achei que fosse uma menina maravilhosa, bem estereotipada, loira, talvez morena, alta, magra, com um sorriso perfeito, que faz ficar ainda mais bonita quando está nervosa e de estilo patricinha. Mas para minha surpresa saiu de lá uma menina normal, não tão bonita, não tão feia, mas enfurecida. E com um neném no colo.

        “Você...” apontou com o indicador pro meu rosto e caminhou até a minha direção, respirou fundo e disse “...não tem nada a ver com isso.”, acalmou-se, ufa, achei que ia ficar sem meus dentes. Virou para Marias que estava parado na porta do apartamento. “você sim é um idiota, UM IDIOTA! Como pode mentir para todo mundo? Pra essa menina que não tem nada a ver com seus rolos?”, o neném chorava ainda mais forte. Eu não sabia o que fazer, se ficava com ela e o bebê, se descia correndo pela escada ou esperava o elevador chegar e deixar que ela fosse sozinha com o filho. Fiquei estática.

        Quando o elevador chegou ela entrou e foi sozinha, mas não sem antes prender o elevador e desabafar, chorando “ele não é um babaca completo, ele é um babaca por que não diz o que sente. Desculpa fazer você passar por isso. Já faz meses que estou forçando a barra com ele por causa do nosso filho. A gente ia casar, mas definitivamente não posso força-lo a gostar de mim. Do meu filho ele já gosta, mas é suficiente. Não basta para ficarmos juntos... Você é Daniela, né?! Ele está sim apaixonado por você. Ele mentiu por mim, por ele.” E apontou para a criança que já estava mais calma.

        Chorando, ela deixou a porta do elevador fechar enquanto abraçava o neném. “A Pri é uma babaca, sem noção, não sabe controlar os nervos. Ela não sabe o que diz... desculpa.” “vou embora. Depois você me explica o que acabou de acontecer...” “quer mesmo explicação? Posso te dar uma agora.” “vai continuar mentindo? Acho melhor eu te dar um tempo para inventar uma história...” “não preciso inventar nenhuma história. A Priscila acaba de desmoronar minhas desculpas, eu estava tentando ficar com ela pelo meu filho. Não tenho mais motivo pra mentir, já que meu motivo acaba de descer o elevador e usa fraldas tamanho M e engatinha”.

        Sorri. Ele sorriu desconfiado. “estou desculpado?” “não sei. Você me faz parecer meio babaca de ter vindo aqui te implorar um amor que já tinha guardado pra mim”, “eu achei lindo tudo o que você disse. E agora estou com medo de falhar... de te provar que seu coração estava errado em sentir que somos feitos um para o outro e tal...” ele disse. Ficamos em silêncio.

        "Gosto de você desde nosso primeiro sushi. Lembra?” “Lembro. Por isso você tava com cara de bobo? Achei que não tinha gostado da comida”. “é... mas Léo já existia, já estava na barriga...” “então você gosta de mim?” “não tenho tanta certeza... talvez... talvez a gente tenha que tentar... Por você meu  coração bate mais forte, minhas mãos suam, meus joelhos não reagem e minha voz fica trêmula quando qualquer coisa tem a ver com você.” “Podíamos tentar, então...” ele se aproximou de mim e me beijou. Ouvi o “pliiim” do elevador e era Priscila que entregou Léo em minhas mãos e disse “esse final de semana ele fica com vocês... vamos ver se o amor de vocês resiste.” E foi embora. E eu que achava que ia fazer papel de doida indo até lá... “Maluca!!!” dissemos juntos.