Tudo começou igualzinho paixãozinha de quarta série, quando os alvos eram Felipes, Igors, Brunos e Diegos, sempre os mais lindos da classe, e eu, apenas mais uma mortal, com óculos de grau e tiques nervosos nos olhos – na verdade, para endireitá-los sem precisar usar as mãos – com peitos nem tão grandes para usar sutiã, mas grandes suficientes para ficar aparecendo aquela pontinha e me incomodar muito com isso.
Eram as paixões mais imbecis que alguém pode sentir. Paixão essa que na maioria das vezes eram efêmeras e que só precisava de outra carinha bonita para ocupar o espaço de meus pensamentos. Elas vinham dos cabelos clareados pelo sol da praia, carinha de criança, malandragem de moleque e quanto mais eles me ignoravam, mais eu gostava. Coisas de criança. Criança boba.
Sorte minha é que não somos mais crianças, eu cresci, não sou mais a mesma. Deus quisesse que os meninos que me rejeitaram me vissem, para que eles pudessem, quem sabe, ficar de queixo caído? Os óculos me fazem ser um tanto quanto misteriosa e intelectual, normal é usar sutiã de qualquer maneira, mas só na hora que o moço puder dar uma espiada, a gente escolher um bonito.
Como dizem os pais de crianças feias, crianças feias serão adultos bonitos e crianças bonitas, serão adultos feios, o que não é verdade pra ser sincera, comigo até que funcionou, graças a Deus, e com toda certeza, não funcionou com um dos Brunos e um dos Igors que eu conheci há 9 anos. Um deles até virou modelo.
Detalhes do passado a parte, ultimamente interessei pelos cabelos escuros ondulados, fazendo cachos por toda sua cabeça, olhos claros que não consegui distinguir ainda, por nunca ter olhado dentro, se eles são azuis ou verdes. Ele é o tipo de cara com quem eu me envolveria fácil, esse Rafael, mesmo com os pés feios, o resto do corpo compensava, mas assim, olhando bem, nem tão feios assim.
O que será que ele pensa de mim? Por que com certeza ele pensa alguma coisa, já que eu tenho certeza que ele sabe que eu existo – diferente dos meninos da escola, que talvez nem soubessem meu nome – mas é claro que ele não sabe os detalhes como eu sei, como nome, idade e tipo de cueca que ele usa. Será que ele é do tipo que não liga de ficar com gordinhas? Julgando-o demais, com muito preconceito, ele não deve ser do estilo que gosta de gordinhas. Mas talvez, já que ele possui aqueles olhinhos fechadinhos, talvez nem perceba desse “de-ta-lhe”.
Mais uma coisa que nos diferencia: nossa altura. Ele é daqueles que não cabem na cadeira inteira, nela sobra tudo, sabe, as pernas ficam esticadas pra frente, atrapalhando a passagem, a parte sul das costas e o quadril para fora da cadeira por trás, e, coitadinho, o norte de suas costas não consegue tocar no encosto. As minhas encostam inteira.
Acabei de perceber, ele é canhoto. Deve ser criativo, na verdade, tem cara de artista… Artista que pinta, que mexe com tinta por que ele tem manchas vermelhas e verdes em sua calça bege de hoje.
Inteligente, com certeza é, usa óculos – o que faz parecer mais intelectual, como eu – está sempre escrevendo em seu caderno e atento a aula, menos quando está cochilando nas aulas de química.
Acho que já falei com ele duas vezes (DUAS! UAU!), uma delas foi uma conversa sem fala. Suas pernas longas esticadas em cima do tablado e apoiando a cabeça que estava engolida pelo vácuo entre os braços e a mesa, me fizeram ficar parada na frente de todo mundo, batendo meu converse no chão de madeira para o bonito tirar as pernas, que se Deus quiser em muito pouco tempo serão minhas, do caminho para eu poder continuar o meu. Da segunda vez, eu perguntei de maçã e ele respondeu sobre jaca e eu fiz questão, ainda por cima, de agradecer pela informação. Tonta.
Mas dessa vez, não vou meter os pés pelas mãos, não. Nada de convidar menino bonito para sair de uma hora para outra. Já me dei mal uma vez quando chamei um menino tão gato quanto Rafael, chamava César. De uma hora para outra, tomei toda a coragem que eu tinha em mim para convidá-lo para um show de uns amigos. Fui rejeitada, humilhada e me arrependi. Agora pensarei muito antes de tomar a iniciativa, para evitar surpresas.
Adoraria namorá-lo, ou pelo menos ser sua amiga multicolor, principalmente para ver se eu paro de não prestar atenção na aula e ficar escrevendo sobre eles, ou então para compensar todos esses anos que sofri rejeitada por Felipes, Igors, Brunos, Diegos e CÉSARs. Acho que começamos bem, nunca fui rejeitado por nenhum Rafael.