Foto: Gabriela Pagliuca - "Bolsa de menina"
Eu estava usando uma camiseta preta e um short jeans, fui até a casa dele de chinelos simplesmente por que não deveria existir formalidade entre nós. Lembro-me da primeira vez que eu o vi, estávamos no colegial, devíamos ter uns 16 anos, foi olho no olho, um sorriso e depois de uma semana já estávamos aos beijos pelos cantos.


Quem atendeu a porta foi a irmã mais velha dele, muito simpática, mas um pouco desconfiada. Apesar de ter ficado com todas as meninas do colégio, ele não era considerado o bonitão da classe, ele era mais legal e charmoso do que o estereotipo de bonito.


A irmã disse, virando as costas, “Por que meninas bonitas procuram meu irmão? Ele nem é inteligente. Você é da faculdade?” Ele costumava ser um mau aluno no colégio, mas passou em uma faculdade difícil. Por que meninas bonitas não podem procura-lo sem interesse?


E quem eram meninas bonitas no plural? “Eu sou amiga dele da época do colégio, não da faculdade. Posso entrar?” “Pode, senta aí.” E me apontou um sofá. Até parece que eu não conhecia esse sofá, já que era nele que estávamos deitados quando demos nosso primeiro beijo.


Como ela sempre foi meio estranha, não me importei com seu comentário, apenas me sentei no sofá bege e fiquei esperando que ele aparecesse. A primeira vez que nos beijamos estávamos deitados aqui mesmo, assistindo um filme qualquer que ninguém sabe até hoje qual era.


“Quem?” o ouvi perguntar “uma tal de Clara, sei lá”... “não acredito!” em sua voz se ouvia um sorriso e ele se apressou para chegar na sala. Eu estava deitada na frente dele, sua mão acariciava meus cabelos. Na época, eu tinha um cabelo grande que ia até depois do ombro, hoje está um pouco acima.


Abriu a porta que dividia a sala e o corredor, me viu e parou. Sorriu. Abriu os braços e veio até mim, que já estava levantada. No meio do filme, naquele dia, estávamos só abraçados, mas ele beijou meu pescoço, beijou minha bochecha, me abraçou pela barriga e esperou eu virar.


“Clara! Quanto tempo”, e me abraçou, levantando meus pés do chão. Ele me abraçou tão forte que não pude quase respirar. Coloquei minha mão na sua nuca e acariciei seu cabelo fino e mais cumprido que o normal. Depois que ele me beijou meu pescoço e a bochecha, resolvi virar-me para ele. Nos olhamos e ele tirou meu cabelo do meu rosto, foi quando me beijou a boca. Só ele me beijou desse jeito na vida.

“Vitor! Que saudades tinha de você!”, disse quando ele me soltou  e nos sentamos no sofá. Eu em uma ponta, ele em outra, virados um de frente pro outro. O que eu mais gostava dele quando nos conhecemos era a maneira que me fazia rir e de como ele era inteligente. Enquanto nos beijávamos aquele dia, estava tão feliz que uma lágrima caiu, ele a secou, mas não entendeu, tão pouco perguntou.


Conversamos sobre assuntos randômicos, contei pra ele dos trabalhos que eu ando fazendo, das pessoas que tenho conhecido, dos programas que eu tenho participado com a minha banda, do último clipe que gravei. Antes de beijar o meu pescoço, naquela noite, me disse bem baixinho que minha voz o fascinava, que ele ficava louco ao me ver cantar.


Ele me contou como andava a faculdade, os trabalhos que tinha pra fazer, as aulas particulares de física e química para pessoal do colegial que dava para ajudar em suas despesas. Eu me arrependo até hoje não termos continuado juntos. Se bem que nunca estivemos juntos oficialmente, éramos melhores amigos oficiais, mas apenas ficávamos não oficialmente, quando ninguém estava vendo.


Cruzei minhas pernas em cima do sofá, ele cruzou as dele, ficamos em silêncio por um tempo. “Vi, posso não ser a oficial, mas jamais serei a outra”, eu disse pra ele quando soube que ele estava ficando “sério” com uma vizinha dele.


“Você tá namorando?” ele me perguntou. “não tenho tempo, e você?” eu disse, “também não.” Rimos. Depois que eu admiti fazer questão de não ser a outra, não dissemos nada mais, levantei da poltrona de seu quarto e fui embora. Era a verdade, se ele não me queria desse jeito, eu também não ia querer da maneira que ele propunha.


Eu vim entregar um CD especial. Eram as músicas do meu CD e uma gravação especial para ele. Era a nossa música. Todas as músicas que escutávamos juntos nos marcava por algum motivo. E a Boys Don´t Cry era uma delas, que, escutando, deitados na minha cama enquanto estudávamos física, demos nosso último beijo, definitivamente.


“Quer que eu coloque pra tocar agora?” ele perguntou, “não, vou morrer de vergonha”, eu respondi. Mas não adiantou, ele colocou mesmo assim. A primeira faixa era uma dedicatória especial. A segunda era eu e meu violão mandando um “boys don´t cry”. Ele também se lembrava de nosso último beijo. Quase nos beijamos em umas outras oportunidades, mas não aconteceu.


Ele sentou no sofá ao meu lado, apoiou os cotovelos nas pernas e começou a chorar. Não chorar de soluçar, mas eu vi umas lágrimas. “Por que faz isso comigo?” ele disse meio bravo. Eu não fiz nada, ele sabia disso. “Eu preciso ir. Desculpa te incomodar”. Levantei, não queria vê-lo daquele jeito.


Misjudged your limits pushed you too far

Took you for granted I thought that you needed me more


Abri a porta esperando que ele fizesse alguma coisa. Parei por uns minutos enquanto minha voz na sala ecoava. Chorei, bem pior que ele, por que o meu sim veio com soluço. Boys don´t cry... Quando eu virei para falar alguma coisa, ele já estava caminhando até mim e me beijou da mesma maneira que me beijou no primeiro dia.

Acho que não importa quanto dura o amor ou quanto duas pessoas que se amam fiquem separados, sempre é ainda a mesma coisa quando elas se reencontram.