Todos os dias, Clarice acorda às sete e meia, toma banho para sair as dez para as nove, chega ao trabalho, toma seu copo de cem ml de café, liga o rádio e vai para sua mesa para resolver os primeiros problemas da empresa. Mesmo sendo muito jovem, é muito importante para a companhia. Cargas que não chegaram a tempo, seguranças que fofocam na hora do trabalho, entre outras coisas. Ligação de lá, ligação para lá, o chefe que cobra, os empregados que têm dificuldade de cumprir um dever… Coisas de sempre, que já está acostumada.

 No fim da tarde, depois da correria do trabalho, assiste sua novela preferida enquanto toma banho, troca de roupa, tenta disfarçar suas espinhas para ir para faculdade.

 Lá, viaja nas aulas de filosofia, de literatura, nas oficinas de redação, quer encontrar mais do que respostas para sua própria vida, tenta encontrar respostas para o mundo inteiro, mas sabe que é impossível. Quando pára para pensar, descobre que não sabe nem ao menos por onde começar. Fazer o bem, o melhor que conseguir, para que os outros possam tê-la como exemplo?! Ela não sabe.

 De uma coisa Clarice tem certeza, ela pode estudar muito, acabar sendo professora para ensinar os outros, mas não é com estudo, com teorias que as coisas irão acontecer, ela tem certeza de que, mesmo se existisse alguém com sabedoria total, se não houvesse ação, não teria a mudança.

No intervalo da aula, ela encontra seu namorado, eles conversam um pouco sobre cada aula que tiveram, sobre o dia deles, ela toma um refrigerante e ele a chama para sair para dançar depois da aula, ela aceita com um sorriso muito singelo, conversam um pouco mais, trocam carinhos e escutam o sinal, reclamam de o tempo passar rápido, vão para suas respectivas classes.

No meio da aula, um bilhete de sua melhor amiga, que estuda com ela desde o colegial, e por sorte, entraram no curso que queriam juntas. “Vocês vão sair hoje?” e a resposta rápida com um outro “Sim. Dançar. Quer ir?”. As duas trocam sorriso e sua amiga diz que sim com a cabeça.

Na hora da saída, Clarice e seu namorado se encontram e a amiga se despede dizendo que mais tarde eles voltam a se ver. Os dois, então, vão para o restaurante do amigo deles, sentam em uma mesa e comem alguma coisa oferecida pelo dono, a especialidade do dia, o convidam para sair com eles. O convite é aceito com muita alegria.

Esperam o restaurante fechar, e juntos vão para a boate, onde encontram a amiga e os quatro ficam juntos, conversando, dançando, rindo, bebendo… Ela é a única da turma que não bebe, além de não tomar o mesmo que eles, sabe que tem que ir para casa dirigindo, por isso, a responsabilidade corre em suas veias quando ela toma um refrigerante.

No fim da noite, hora de ir embora, ela, a única que não bebeu, vai dirigindo, primeiro, eles deixam a amiga, que bebeu muito, a colocam para dormir, depois o amigo, que se apaixonou pela amiga do casal, o colocam na cama. E os dois, vão para casa dela. Os dois conversam mais um pouco, colocam uma roupa mais aconchegante e vão dormir.

 Na hora de dormir é muito fácil para a Clarice: Deixa o namorado em pé, dá um beijo de boa noite nele, e ela aperta o botão: “desligar”. Liga o ventilador e deita em sua cama para dormir, mas antes, se distrai pensando em sua vida de ginóide sendo humana, passa pela cabeça dela que os últimos humanos que sobraram, vivem como ela: sendo os apenas andróides.

 Tudo mecânico, tudo programado, sem emoções. Até mesmo ao sair para dançar, ou na hora de sua aula preferida, ela pensa que só vale a pena viver mesmo, por mais que a vida seja artificial, por que restam vidas humanas miseráveis no planeta, e ela, se misturando com os andróides, vive para tentar mudar isso.