Peço licença para contar uma história triste. Essa não é uma história real, mas sabemos que há milhões de casos como esse no mundo. O objetivo dessa estória é mostrar como utilizar o poder do perdão e da gratidão para viver melhor e trilhar o caminho do desenvolvimento espiritual.
Já havia ouvido falar em mães que perdoaram as pessoas que tiraram as vidas de seus filhos, de propósito ou sem querer. Isso me deixava curiosa, pois embora espiritualizada, não sabia o meu estágio, meu nível de não apego aos sentimentos mundanos e às injustiças cometidas comigo diretamente. Acho que essa minha dúvida me deixou exposta a essa situação, para me testar.
Meu filho, Davi, de 13 anos, era muito mais avançado do que eu no quesito espiritualidade. Nascera assim, iluminado. Não se magoava com nada e não se sentia depressivo; para ele tudo tinha um lado bom, sabia perdoar e era grato como ninguém. Foi uma criança prodígio em vários aspectos, inteligente e tranquilo. Como adolescente, eu diria que vivia o presente, o agora. Sua missão sempre foi fazer eu e o pai dele felizes, agradecidos e nos lembrar de sempre seguir o caminho do desenvolvimento espiritual. Mesmo depois de sua morte.
Foi em um sábado à tarde que meu coração se sentiu apertadinho. O dia estava ensolarado, mas era como se estivesse nublado para mim. Algo iria acontecer. Meu sexto sentido materno me dizia para proteger meu filho. Eu ligava em seu celular, não atendia. Ele tinha saído de manhã para ir à praia jogar futebol e andar de bicicleta com seus amigos. Já havia passado a hora do almoço, e eu estava preocupada como nunca ficara antes. Chorei. Ligava em seu celular e nada.
Fomos procurá-lo, ligamos para seus amigos. Descobrimos que ele havia sido atropelado por um motorista bêbado enquanto atravessava a rua, na faixa, com o sinal vermelho para o carro e aberto para o pedestre. O carro não parou quando devia e atingiu meu filho. Davi não morreu na hora. Ficou em coma por três longas semanas.
Todos os dias, durante esse tempo, eu acordava no hospital e via meu filho me pedindo algo. Era sua alma falando comigo. Eu sabia que era uma escolha dela - da alma - estar ali ainda e que ele não estava mais em condições de permanecer aqui como ser humano. Sua alma estava pronta para deixar seu corpo, esperando apenas eu me libertar do medo e deixar a vida seguir seu fluxo.
A cada dia eu acordava diferente, mais preparada, mais forte, embora sentisse que a hora dele se aproximava. Era uma evolução intensiva, pois a cada momento estava mais próxima de atingir o perdão e de poder aprender uma grande lição dessa vida.
O bêbado que atingiu meu filho chorou como um bebê quando falou comigo pela primeira vez. Naquele momento, eu sentia raiva dele. Chorávamos os dois, ele pedindo perdão e eu desesperada. Para mim e quase todos ao meu redor, ele era culpado dessa situação, da minha dor. Uma atitude errada dele, proporcionou o inferno na minha vida, ao menos naquele instante.
Meu filho não voltaria, eu sabia disso. E, embora eu tivesse demonstrado a ele em vida, todos os dias, meu amor incondicional, feito meu melhor sempre como mãe e amiga, eu não tive tempo de me despedir. Os avôs e avós, não o perdoaram até hoje. Seus tios e primos não conseguem entender e sentem saudades de Davi.
Meu marido foi quem perdoou o motorista primeiro. Acho que veio dele as características avançadas de nosso filho. Ele dizia que não poderíamos carregar aquele fardo para sempre, que deveríamos perdoar e rezar para que a alma Davi estivesse bem, em paz, assim como ele era em vida. Meu marido já o considerava morto, pois as chances não existiam. Eu, ao mesmo tempo em que os médicos diziam isso, tinha esperança, pois ele estava vivo, respirando.
Comecei a sentir, aos poucos, o corpo de Davi sofrendo. Precisava libertá-lo. Do mesmo jeito que eu dei à luz a Davi, eu também o deixei sem amarras para que sua alma seguisse seu caminho. Eu sinto que fui, sim, de certa forma, responsável pelo começo e fim de sua vida - de uma forma positiva, pois ele se foi em paz, cumprindo sua missão de nos fazer felizes em vida e de nos deixar em paz no momento de sua perda.
Tudo aconteceu rápido. Em dois dias vi a necessidade de conseguir perdoar aquele rapaz e libertar meu filho. Comecei a buscar todas as respostas para meus sentimentos ruins. A raiva que eu tinha pelo motorista bêbado, a justiça que eu queria, a dor que eu sentia em todos os momentos dos meus dias... Nada disso traria de volta meu filho iluminado, meu bebê tão amado.
Primeiro de tudo, resolvi me perdoar por estar em um processo. Não me sentiria culpada por estar com raiva ou não perdoar, mas eu sabia que esse tipo de sentimento não era o que eu queria. No auge da minha dor, fui grata por todos os momentos que passamos juntos, desde o descobrimento da gravidez inesperada aos 17 anos, o aprendizado de como e o quê era ser mãe. Foram treze anos de felicidade plena, e eu era muito grata mesmo por tudo. Foi de repente que começou a chover aprendizados sobre o perdão e a gratidão.
Quanto mais eu lia e ouvia pessoas me aconselhando, mais eu era agradecida por tudo, e mais forte me tornava. Olhava meu anjo quase morrendo e sabia que eu tinha que perdoar aquele rapaz que cometeu um erro. Era algo que eu tinha que fazer por mim e por meu filho. Desconhecidos me falavam sobre perdão e meu marido reafirmava que já havia perdoado.
Em meio de tanta dor, encontrei o perdão ao ouvir meu coração. Ele dizia que tudo era uma forma de me tornar mais forte, de chegar mais próximo de minha alma. Eu ouvia meu coração dizer que o Universo é muito mais que isso tudo, ainda que nossa vida pareça limitada, nos encontraríamos de novo em outras existências, em outras dimensões.
Em poucos dias, os médicos me avisaram que não demoraria sua passagem. Foi nesse momento que perdi as esperanças de que as coisas pudessem ser diferentes, aceitei o passado, vi um futuro iluminado e perdoei o motorista que o atingiu. Em dois dias, meu filho desencarnou depois que me despedi dele. Sinto desde então sua alma nos protegendo, nos guiando e nos fortalecendo em todos os momentos.
Perdi a companhia de meu filho, mas jamais nos separaremos. Não porque é um apego meu, mas porque sinto que somos espíritos ligados, assim como meu marido e eu, eles dois e nós e nossa bebê Cristina que nasceu três anos depois que Davi morreu. Meu filho ficou em coma durante três semanas, o tempo necessário para que eu aprendesse a perdoar e que ele pudesse ir sem deixar nenhuma pendência nesse plano espiritual.
De fato, hoje, eu não vejo mais o rapaz que dirigia bêbado como alguém que me fez mal, ou a meu filho. Percebo-o hoje como alguém que e ajudou a chegar mais perto de meu coração, com amor. Amor pelas pessoas, pelo meu filho, pela minha família. Não ignoro o que aconteceu, Davi faz falta, choro de saudades. Mas o perdão não é ignorar tudo isso, é saber que o que aconteceu está no passado e devemos olhar para o futuro com outra percepção das coisas.
O homem que atingiu meu filho não teve má intenção. Foi algo que ele não imaginava que pudesse acontecer. Ele também aprendeu muito. A justiça terrena acabou sendo feita e sei que não deve ser fácil para ele carregar a morte de alguém e a dor de uma família ao perder um ente querido por sua irresponsabilidade.
Por tudo isso, por mim, por minha família e principalmente por Davi que eu o perdoo de verdade, com todo meu coração.
Aprendi que não estamos sozinhos. Os momentos de dor são chances de recomeçar, de aprender algo novo e superar limitações.
Sou grata por tudo isso.
“É perdoando que nos livramos do fardo que carregamos” Isabel Allende
“O perdão também exige uma mudança fundamental na forma de ver a pessoa a quem você poderá perdoar. Em vez de vê-la como alguém que o vitimou, veja-a como alguém que poderá ajudá-lo a chegar mais perto do seu coração”. Baptist de Pape
Essa história foi inspirada no relato de Isabel Allende, narrada no capítulo 15. Perdão, do livro O Poder do Coração, de Baptist de Pape. Este é um livro essencial às pessoas que procuram a evolução espiritual, recomendo. Além dessa leitura, recomendo “O Poder do Agora”, de Eckhart Tolle; e o documentário (ou livro) O Segredo e o livro A Magia, os dois de Rhonda Byrne, sobre a lei da atração.