Ontem eu fui a uma festa em uma das baladas mais famosas daqui de Madri, a Kapital. Realmente é de se impressionar! Quem vai, sai falando coisas do tipo “ela é fantástica, extraordinária!”, “você tem que ir”. Eu me impressionei muito mesmo foi com a quantidade de gente olhando pra cima e com uma fila de uma hora pra deixar o casaco. Saí falando “se aquilo é uma pista de dança, porque diabos ninguém está dançando?” porque eu simplesmente não gostei e provavelmente não voltarei lá.
                Falem o que quiser, não precisa concordar comigo em nada, mas o que eu sei é que eu me senti de volta a minha infância quando eu via que todo mundo se impressionava com cores, luzes, roupas brilhando. A não ser pelo tamanho e o formato do lugar, que é um teatro de sete andares (eu não fiz questão de conhecer tudo, vou falar só da pista de dança do palco), ele deixa muito a desejar.
Isso não é uma “crítica” ao lugar, não estou fazendo um  “review” sobre a balada. O que fiquei pensando enquanto eu tentava dançar, porque a música às vezes parava e algo chato e não-dançante acontecia, é que de novo, como sempre acontece, por causa da beleza e fama, o lugar deixa a desejar em qualidade. O lugar é lindo, gigante, mas as músicas paravam como eu disse, e não dava pra dançar. Muita gente espremida, não dava pra conversar com os amigos. Cigarros nos queimando, machucava. Copos quebrando, cacos no pé das meninas (quase) obrigadas a usar sapato pra entrar ali.
Quando percebi que não tinha como eu lutar contra isso, eu comecei a me divertir (há, porque eu juro que me diverti, apesar de tudo!). Ali parecia mais um circo de atrações: pessoas olhando as performances de três pessoas sem sorrisos em cima do palco, com pouca roupa fazendo algo parecido com dança (mas não era uma dança com muita técnica), esporádicas performances de instrumentos musicais, cores saltitantes, neon e luz negra combinados com andaimes se movendo pelo teto. Ou seja, o objetivo (dançar, amigos, rir, paquerar) se perdeu, mas a minha noite não. Não sou de reclamar e tudo o que acontece comigo eu tiro uma grande lição, como dessa festa que me fez ficar com o pé doendo e cansada pra caramba em um domingo que eu devia descansar.
De novo, o que estragou tudo foi a culpa da aparência. Ir nessa balada foi como me apaixonar pelo menino mais bonito da classe: ele é lindo, perfeito, simpático, mas não tem conteúdo, você não aguenta ficar perto dele por muito tempo. Antes pode ser que tivesse conteúdo (estou falando da balada, mas pode ser do menino também), mas a fama, a estrutura, a beleza e o povo que frequenta fez ela servir de ponto de encontro de pessoas que 1) turistas que querem conhecer a melhor balada de Madri 2) pessoas fúteis que só vivem de aparência 3) coitados que não sabem o que estão fazendo ali.  Eu me encaixo no 1 e no 3!
Eu sinto muito ter ido lá ontem, mas era aniversário de uma amiga que mora comigo e fomos comemorar, as outras que também moram aqui foram, terça feira (2/3) será o meu aniversário então deu vontade de ir, mas eu não sei se eu esperava mais ou o que aconteceu, sei que não valeu 24€. Sei que me diverti mil vezes mais em uma festa simples, de graça, na balada aqui do lado que eu dancei até de manhã, mas que não tem esse glamour todo, do que na festa mais badalada da cidade. Mas eu gostei de me aproximar do inimigo, por ele estava ali perto, a tentação do sensorial, senti que me fortaleci quando percebi que ali era o campo minado. A aparência. A cópia da cópia, da cópia ideia... [ Platão 😉 ]

Eu fiquei pensando, enquanto tentava dançar, que a gente se deslumbra com as construções dos homens, como um teatro que virou balada, e esquece de olhar a natureza. Quando foi a última vez que a gente admirou um pôr-do-sol, um nascer do dia, um animal nascendo ou uma criança sorrindo? Quando foi que fez xixi na calça de tanto rir com os amigos? São coisas simples da vida que valem muito mais a pena (menos a parte do xixi) do que o concreto. Isso quando não vemos algo gigantesco e pensamos algo como “nossa, que animal, era tão grande aquele lugar...” e a imensidão do horizonte quando se olha pro mar? O infinito do espaço? O nosso cérebro que é a máquina mais complexa que existe? E tem gente que ainda se deslumbra com tamanho de uma construção?
Sete andares? E daí? Dá pra dançar, rir, falar com os amigos, caminhar sem bater em ninguém, respirar, não chegar pra casa fedendo? Eu não consegui, e olha que eu tentei de verdade, e muito. De novo: eu não tive vontade alguma de conhecer o resto, mas pelo o que eu entendi, os outros lugares não estavam tão animados quanto aquele que eu fiquei, e demoraria uns 40 minutos pra eu ir conhecer o resto e voltar, resolvi ficar pra dançar onde eu consegui.
Ah, como eu preciso disso pra evoluir! É tudo um crescimento, né?! Acho que devo estar falando muita besteira. O lugar deve ter certa qualidade. O guarda-volume lá é enorme, bem organizado, a fila de entrada também, tirando a grosseria dos seguranças pedindo pra andarmos quando a fila anda, sendo que eu já estava grudada no cara da frente, pelo menos ninguém fica enrolando pra andar. Os banheiros também são ótimos, não tive problemas com eles. Os efeitos de luz são demais e ainda tem um jato de ‘fumaça’ fria – e às vezes nos enganava e era confete de carnaval - , que sai do teto para a pista que refresca, dá ânimo e agita o povo que estava quase dormindo. Deve ter qualidade... mas ainda acho que falta alguma coisa. Algo essencial. A própria essência.
Acho que é esse lance de aparência que me incomoda tanto. Esse negócio de estar na Kapital, então sou... bom. Status. Eca. Poder. Que asco. Pessoas poderosas que se forçam ir de sapato social, sandália de salto pra ficar parado na pista de dança (ou mais pra uma “vitrine” numa Av. Augusta da vida). Não... Não... Não entendo. Fiquei próxima do inimigo sensível, imperceptível a olho nu, não-material e consegui enxergar coisas que ninguém enxergou. Isso me deixa brava, porque eu não podia só apreciar a grandeza e beleza desse lugar fantástico e me divertir como quem estava se divertindo, sem chegar em casa e perder tempo escrevendo um texto de 1500 palavras?
Eu não sei, mas acho que eu não SENTI o lugar bonito. Como uma pessoa, pra mim, elas não  “parecem” bonitas, elas tem que emitir vibrações belas. Kapital não me transmitiu isso. Muito sensorial, pouco divertido e para pessoas mais espirituais... nada espiritual (há baladas, pra mim, neutras espiritualmente falando). Parecia que o diabinho estava rondando, fazendo as pessoas beberem, se deslumbrarem com o material, o concreto. Essas pessoas não lutam contra, deixam se levar. Talvez seja bem mais fácil viver assim, talvez até possa ser o certo, mas eu não consigo.
Pra mim, é como sexo - o ato em si (não o antes e o depois. Só o ato): muito sensorial, algo pequeno na imensidão dos cosmos, efêmero, não sobra absolutamente nada (a não ser um filho em certos casos). O importante é o antes, o depois, os sentimentos, a conquista, o beijo de adeus, o “quando será que ele vai me ligar?”, a expectativa, o reencontro. Os sentimentos que se transformam. As ideias, a utopia... o sexo passa, o que foi sentido fica.
Porque no fim de tudo, uma hora ou outra, a luz acende, a mulher vai estar sem maquiagem, o homem vai lembrar que é homem (e não ligar, rs), a gente vai morrer... Pode ser que não seja nessa mesma noite, pode ser que não seja logo. Mas uma hora a festa acaba, a luz negra que faz brilhar o vestido curtíssimo da senhora em cima do palco vai se apagar, as pessoas vão para casa e o que sobra? Copos e garrafas quebradas e cacos de vidros estraçalhados no chão. Fotos, lembranças meio esquecidas por causa da amnésia pós balada. Cheiro de cigarro na roupa e no cabelo, bitucas no chão. Uma pessoa que você nunca voltará a ver do seu lado na cama. Vômito no lugar errado no banheiro. Ressaca. Pra que isso? Como a gente vai evoluir assim? O que a gente quer levar quando nosso espírito ir para a próxima fase? Pra onde você quer ir? Pra Kapital?


Obs.: eu adoro festas, baladas, não é questão de deixar de frequentá-las, mas sim saber porque você está indo, porque está consumindo, porque vive assim. É o que a gente mais esquece.