(antes de ler esse post, leia o primeiro post da série)
Jamil era bonito, bem bonito. Mais alto que eu uns vinte e cinco centímetros. Arrumava-se tanto para ir à escola que faltava só passar batom. Egocêntrico, carente e narcisista, perfeito para ser personagem principal de uma paixão platônica e relâmpago. Tudo aconteceu tão rápido que eu nem sei por onde começar. Na verdade, o mais importante é que ele tinha namorada e que cada dia ficava mais lindo. Ele era meu colega de escola da sexta série, amigo dos meus amigos. A gente foi se descobrindo totalmente diferentes à medida que conversávamos. Para ser bem sincera, ele era até um pouco irritante. Mas a nossa relação foi fluindo e uma amizade sobressaltou. Papo vai, papo vem… Comecei a ficar cada dia mais interessada nele, mais precisamente na boca dele, a dele na minha e a minha na dele. Não que eu pensasse que ele quisesse, muito pelo ao contrário, a namorada dele era totalmente diferente de mim – inclusive, era uma chata – totalmente linda. Não iria trocar uma dessas por mim. Não à toa, a troco de nada, se não estivesse realmente apaixonado. Parecia que eu não fazia o estilo dele levando em consideração o fato de ele namorar alguém totalmente diferente de mim. É claro que no meu íntimo eu desconfiava que ele sentia atração por mim, culpa de seu joelho apontado toda hora para mim e o jeito que ele me olhava totalmente pedindo carinho. O problema é que eu não fazia o estilo dele e ele também não fazia o meu. Ele era mais velho, fumava, bebia e matava aula. Não era uma boa influência. Isso me deixava um pouco irritada e confusa. Se não fazíamos um o gosto do outro, como poderíamos estar atraídos? Talvez por não poder, por ser proibido. Isso me deixava mais louca ainda o “não poder quebrar minhas próprias regras”! Alguns momentos eu nem me agüentava ficar quieta e soltava umas indiretas para ele, mas eu ficava envergonhada e dizia sempre que era brincadeira. Ele foi percebendo, mas deixando pra lá, mas o que fez perceber meus sentimentos de verdade foi uma besteira. Com minha mania de desenhar tudo o que acontece comigo, fiz um desenho de uma menina dando um soco no rosto de um menino, coloquei mais ou menos as roupas que costumávamos usar e fiz uma setinha para o boneco que representava ele escrevendo seu nome e na minha bonequinha, meu nome. O que, obviamente, tinha muito mais significado do que um simples soco, apenas estava realçando a vontade que eu tinha de tê-lo para mim. Ele perguntou alto e na frente de todo mundo sobre o desenho que eu tinha feito no meu caderno. Eu quase morri de vergonha e disse que outra hora contava para ele só que no fim da aula ele cobrou. Enrolando para copiar a lição da lousa e conversando comigo sobre assuntos de meu interesse, ele deixou que todo mundo saísse da classe e ficamos sozinhos. Não que isso nunca tivesse acontecido, mas ele estava com a intenção de ficarmos a sós. Ele guardou as coisas na mochila e a largou em cima da mesa do professor, onde se apoiou. Perguntou sobre o desenho e se eu o odiava tanto para perder meu tempo com isso. Eu disse que não, que era claro que não, o problema é que às vezes eu tinha vontade de socá-lo e gritar “ahh” na cara dele, e isso não me fazia uma inimiga dele. Ele riu. Riu muito, aliás. Ele perguntou o porquê disso tudo e que ele não estava entendendo nada. Já que era pra ser sincera, fui curta e grossa. Respondi que tinha vontade de socar ele por ele continuar com a chata da namorada dele. Ele riu. Riu pouco, vamos dizer que quase apenas sorriu. Perguntou se tudo aquilo era vontade de beijá-lo (sabidinho, não?). Só respondi que querer não é necessariamente poder. Ele baixou a cabeça. Eu me virei a saí da sala, nos doze passos que eu dei em direção da saída da escola fiquei pensando que eu nem estava me sentindo mal por que não fui rejeitada nem nada, eu não pedi para ficar com ele em nenhum momento, ele que estava perguntando aquelas coisas e eu só fui sincera. Quando dei meu décimo segundo passo, ele acelerou o passo. Veio correndo e puxou meu braço e tentou me beijar. Eu desviei mexendo a cabeça negativamente. Iria ser meu primeiro beijo. Ele sorriu envergonhado e andamos até o portão onde estávamos nossos amigos em silêncio. Tudo ficou bem no final, ninguém soube disso nunca e nós continuamos amigos até sair da escola e ele terminou com a namorada pra ficar com uma menina bem parecida comigo uns três meses depois (droga!). Nunca mais desenho eu socando ninguém.