Estava sentada num banco de plástico, esperando por minha mini-pizza de mussarela quentinha, com minhas unhas roídas e óculos fundo de garrafa, falando com dona Maria, a mulher da pizza, sobre o calor do dia, entre meu escritório, de um lado da rua, e uma escola de desenho no outro lado. Deparei, então, com uma menina, com seus 16 anos, ruiva, com o cabelo solto que brilhava com o sol forte, óculos de sol, lindo sorriso, magra, baixa, com uniforme de uma escola, cortada na gola e na barra, com a calça de moletom baixa aparecendo suas covinhas nas costas, colares e pulseiras, munhequeira e um all star vermelho, ela estava andando naquela rua pouco movimentada de um lado pro outro, pisando nas folhas secas do chão, então um menino saiu da escola de arte, ela o chamou e tirou os óculos e minha pizza chegou.
O menino tinha, talvez, um ou dois anos a mais que ela, cabelos muito lisos e pretos, bem penteado, uma camiseta verde um pouco mais escura que seus olhos, bem arrumado, com roupas legais e tênis. Ele não sorriu quando a viu, ele disse que precisava ir embora, mas que ele tinha gostado de vê-la, disse pra voltar outro dia para eles conversarem melhor. Ela se sentou no meio fio e pediu cinco minutos para ela tentar entender o que estava acontecendo e ele se sentou ao seu lado.
Ele pediu desculpas e disse que não poderiam se ver mais, ela que estava abraçando seus joelhos e de cabeça baixa, levando seus olhos verdes furiosos, aliás, essa era a única semelhança externa que eu pude observar neles dois, ela perguntou por que não e ele disse que ela era linda, meiga, insubstituível, mas amava sua namorada e o destino era inexorável, e ele usou mesmo essa palavra, inexorável. Foi então que minha mussarela caiu, não por que um menino dessa idade usou uma palavra dessas numa conversa de rua, mas por que eu me lembrei dos meus 17 anos.
Ela disse que a vida era muito curta para ficar pensando que em tudo que fazemos tem que haver uma segunda intenção, falou que ela só não entendia por que ele não queria vê-la mais, pois eles eram só amigos, e mesmo que tivesse apaixonada por ele não ia tentar conquistá-lo, pois respeitava seu espaço.
Eles se levantaram, os dois estavam se olhando dentro do olho, e ele disse que tinha medo de eles serem feitos um para o outro, e se apaixonar por ela, ela perguntou "e daí? O que tem de mais?" ele disse que gostaria de descobrir esse amor quando ele tivesse solteiro, e não estivesse gostando de outra. Ela se virou e disse que se fosse para eles se apaixonarem, eles já estariam apaixonados, que tinha certeza que aquele não era o motivo para ele querer se afastar e começou a aumentar a voz, e perguntou por que ele não queria saber dela, nem como amiga, por que era isso que ela queria: ser amiga dele. Ela ia gritando decepcionada, pedindo explicação, e disse que ele não queria conhecê-la pessoalmente só queria ficar iludindo ela virtualmente e depois que começou a namorar ficava dando desculpas para não se encontrarem. E perguntava mais vezes e cada vem mais alto, qual iria ser a desculpa agora que estavam frente a frente e não se falando via internet.
Eu prestei ainda mais atenção na conversa. Amigos virtuais? Qual é, essa menina era eu há 15 anos.
Ele pegou a mão dela, e disse que se ela queria saber mesmo a verdade era para ela parar de gritar por que todos olhavam para eles e estava ficando encabulado. Todos pararam de olhar e acho que só eu os observava. Ele disse que estava apaixonado por ela desde o primeiro dia que eles se conheceram, eram tão diferentes externamente, como o estilo de vida e as oportunidades, mas os sentimentos, as vontades e a filosofia de vida eram praticamente a mesma, ele ainda disse que quando a viu naquele dia seus olhos verdes penetraram no coração já seduzido, e ele não parava de pensar um minuto nela desde o dia que se conheceram, mas que começou namorar essa menina e... Houve um silêncio e ela perguntou se ele tinha se apaixonado por ela, já que ela era de carne e osso e ela era quase virtual, ele disse que não, gaguejou um pouco e disse "é só que ela..." Nesse instante passou um carro entre nós e eu não consegui ouvir o que ele disse, só vi depois que ela ficou meio chocada, mas disse que por isso ela podia dizer que também gostava dele, desde sempre, mas que entendia que por enquanto não podiam ficar juntos, mas que não aceitava ficar longe dele sendo sua amiga, e também por que ele estava precisando de ajuda. Ele beijou sua mão e sua bochecha, se abraçaram e saíram em direção ao ponto de ônibus.
Nenhum carro passou enquanto eles conversavam, a rua era mesmo meio deserta, eu me perguntei o que será que ele disse pra ela, será que a namorada dele era uma doente e iria morrer logo? Ou será que ela era doente mental e podia matá-lo se terminassem? Ou será que os pais deles obrigaram a se casar mesmo estando no século XXI?! E se ela estivesse grávida e estivesse vivendo sob pressão?! No meu caso, há 15 anos, o menino que eu conversava virtualmente, não foi meu amigo na vida real, por que não tivemos oportunidade de nos encontrar, o único amigo real em comum não nos ajudava muito e sempre tinha algum problema pra nos ver. E acabei mudando de cidade e até nos falamos um pouco via internet, mas não nos vimos nunca.
Ainda desconfio que o menino não gostava de mim, de conversar comigo, de vez em quando penso que ele não foi com minha cara, mas essa é uma eterna dúvida, como a dúvida do que o moreno, dos cabelos lisos, disse pra ruiva, dos olhos verdes, que a fez confessar que gostava dele também e mudar todo o rumo da história, fez ele sorrir e até consegui perceber que o sorriso do menino não era tão bonito quanto o dela, mas era bonito. Talvez o destino seja mesmo inexorável e tudo esteja escrito em algum lugar, talvez nas nossas próprias atitudes.
Inexorável – que não se deixa aplacar, inflexível.
Esse texto pertence à ficção. Todos os personagens e situações são de um mundo fantástico criado pela autora.