De manhã tinha sido um dia normal, fútil, cansativo, mas consegui sobreviver, aprendi algumas coisas sobre filosofia, desisti de aprender física e matemática e a professora de português passou uma prova meio fácil, no intervalo tomei meu guaraná com um misto quente, e tocou o sinal e saí correndo da classe.

Quando eu saía da escola, era um dia daqueles chatos, mas mal sabia eu que uma coisa inesperada estava pra acontecer, eu olhei pro outro lado da rodovia um pouco mais atrás, vi que meu ônibus se aproximava devagar, olhei pra baixo reclamando e chutando uma pedra, pensando que ia demorar uma hora pra ele passar de novo, quando eu ouvi um grito, olhei pro lado rapidamente e tropecei.

Morrendo de vergonha olhei pra baixo de novo, dei uma risada amarela pra mim mesma, e quando eu olhei pra frente achando que iria ter alguém olhando pra mim e rindo, tudo havia congelado... menos eu! Todos tinham parado do jeito que estavam, os carros na rua que eu ia atravessar, os da rodovia logo em frente, os pássaros, dois vira-latas e as pessoas, todos estavam parados.

Vendo aquilo tudo, o que parecia ser um sonho meio bizarro, olhei para todos os lados e todos estavam parados, nada se movia e não se ouvia barulho algum, o último barulho que eu ouvi foi a mulher gritando antes de tropeçar. Então eu percebi de onde veio aquele grito, era de uma senhora que tinha sido roubada.

Fui me aproximando do ladrão passando entre os carros que estavam parados na rua que saía da rodovia, e pro meu espanto - não sei por que, na verdade - ninguém buzinou pra eu sair da frente, ninguém gritou e me xingou, fui me aproximando. Vi o rapaz que pegou a bolsa da mulher, ao cometer o assalto congelou do jeito que estava, correndo: uma perna na frente da outra, a da frente, estendida, puxando mais pra frente ainda, apoiando toda sola no chão, e fazendo força pra conseguir correr, a perna de trás, estava flexionada, seus braços estavam dobrados, uma das mãos apontava pra frente fazendo uma espécie de uma concha com os dedos, como se tivesse puxando o ar, a outra mão que segurava a bolsa marrom da mulher, estava forçando os dedos para ela não cair, ele estava com um gorro cobrindo o cabelo e deixava parecer alguns cachos nos lados, sua roupa era muito simples, era uma camiseta preta, calça jeans azuis e sapatos marrons, não estava armado, mas era forte. Ele tinha olhos azuis e nem se preocupou em cobrir o rosto para não ser reconhecido, seu olhar era vazio e sua expressão era de total tristeza.

Eu aproximei dele com cuidado, sem tocar nele, pois fiquei com medo de acontecer alguma coisa, eu estava tensa, meu coração batia forte, meus olhos apreensivos, estiquei meus dedos e peguei a bolsa e me afastei dele com um pulo pra trás, ao tocar a bolsa, percebi que ela estava muito gelada, dura, mas à medida que eu a segurava esquentava e amolecia.

Olhei pra trás e vi um homem gordo, de óculos correndo em direção ao ladrão, era claro que foi a reação imediata dele, assim que ele viu o assalto, mas ele parecia já cansado de ter feito aquele pouco esforço, a perna da frente estava estendida e a de trás flexionada, como a do ladrão, braços fazia um sinal para o outro parar, ele estava com uma calça jeans e uma camisa cinza, seus olhos pareciam ter raiva, quando olhei pra ele, no mesmo instante, percebi que ele tinha recuperado o fôlego e o suor tinha sumido, ele não se mexeu, mas eu percebi que tinha ficado mais relaxado.

Andei rapidamente em direção a senhora que tinha sido roubada, ela estava com um sapato rosa, com meias de renda, as duas pernas velhas e fracas, se segurando só com os joelhos, como se estivesse flutuando, fazia tanta força pra ficar de pé que eu tive vontade de carregá-la no meu colo, mas eu estava com medo de tocá-la, ela era magra e usava um vestido rosa florido, uma de suas mãos estava levantada, chamando atenção das pessoas, a outra mão estava apenas pendurada, em seu rosto tinha uma lágrima quase azul saindo dos seus olhos verdes, escorrendo para a boca muito aberta, da onde tinha saído o grito, seus cabelos estavam arrumados e eram muito cinza, ela era morena, quase negra, tinha uma pele muito bonita, mas estava com uma expressão de indignação, tristeza... Era uma senhora tão velha, mas tão bonita que eu me espantei. Deixei a bolsa que eu estava segurando e deixei perto dela, para parecer que tinha caído das mãos do ladrão, se tudo aquilo voltasse ao normal em algum momento.

Tudo aquilo que aconteceu em poucos segundos - ou em nenhum, pois os relógios haviam parado, o meu do pulso, do meu celular e a do painel da rodovia - não fazia sentido algum, eu continuei seguindo meu caminho, mesmo estando tudo parado, fiquei com receio de atravessar a rodovia e bem na hora tudo voltasse ao normal, e resolvi atravessar pela passarela, por onde eu ia todos os dias.

Lá em cima tinha uma criança parada, com uma das mãos pra cima, com um olhar triste e faminto, pedindo esmola, olhando pra ela não resisti e abaixei, parecia uma escultura, não piscava, não respirava, mas vivia, eu sabia que vivia, ela era branca e tinha olhos bem escuros, cabelos despenteados e cheirava mal, fiquei com pena, e me lembrei do suco em caixinha e de um pedaço de bolo que eu tinha levado na mochila, deixei no lado dela, onde estava deitado um vira lata marrom velho, parado, também, como todas as outras criaturas, com as patinhas em baixo do focinho, e as orelhas caídas do lado, enquanto eu me levantava para continuar andando, depois de deixar o lanche pro menino, eu percebi que o cheiro dele ia sumindo aos poucos, até que eu não senti mais nada.

Continuei meu caminho sem muitas esperanças de que aquela situação iria mudar, olhei pro outro lado, a senhora, o ladrão e o homem gordo continuavam ali, parados, como eu os deixei, olhei pra cima, o menino e o cachorro estavam iguais, parecia um quadro pintado à tinta, segui em direção ao ponto, o ônibus que eu tinha visto do outro lado da passarela ainda estava lá, mas eu não sabia se eu ia voltar pra casa por que tudo estava parado, e dessa vez, não era trânsito, não era acidente... Estavam todos e tudo congelado, menos eu!

De repente, estranhamente, eu tropecei em um nada, e quando olhei pro lado tinha uma mulher rindo de mim disfarçadamente e andando pra frente, e todos os carros voltaram a andar, olhei pro outro lado da rodovia e a mulher viu e pegou a bolsa do chão, o gordo pulou em cima do ladrão, então muitas pessoas se juntaram e não vi mais nada, dei sinal pro meu ônibus parar, era um daqueles ônibus pequenos, que a entrada é a mesma que a saída. Ao passar na roleta, um garoto loiro, com olhinhos puxados, alto, com uma camiseta amarela de algum time europeu e bermuda vermelha, estava correndo para sair do ônibus, nós dois nos esbarramos de frente, ele parou, desistiu de sair do ônibus, nós dois rimos, e ele disse "me desculpe pelo atraso", o motorista fechou a porta e fomos embora.