Uma reflexão sobre o feminismo no paradigma do amor e o direito que as mulheres têm de expressarem seus medos e revoltas como sua consciência mandar.
"A tudo que resiste, persiste"
(esse texto fala sobre resistência no âmbito pessoal, não da luta do movimento)Um dos argumentos mais furados de pessoas que discordam do feminismo é que o paradigma do movimento é a revolta, ódio e resistência no lugar da busca de mudança pelo amor. Se o argumento é o amor, não deveria haver compaixão pelas mulheres, ao invés de culpar a vítima?
Sou feminista e trabalho meu lado espiritual, tentando me manter conectada com meu verdadeiro Ser, em paz. Aos poucos, percebi que não lidava bem com "cantadas" (que são, na verdade, assédios) e minha energia caía muito quando eu ficava revoltada com esse assunto. Trabalho isso, portanto, há algum tempo e cerca de um ano finalmente consegui encontrar um pouquinho de conforto para lidar com essas situações no meu dia a dia. Aqui vou compartilhar meu caminho escolhido e meu argumento a favor das mulheres.
Minha ideia foi trabalhar a compaixão e o perdão no momento em que sou assediada na rua, pois parti da premissa que "sentir raiva é como tomar veneno e querer que o outro morra". Decidi, dessa forma, não deixar que medo e a raiva me possuam.
Entendo que me conectar com o meu verdadeiro Ser é não ter resistência ao que é, deixar fluir. Resistência é sinônimo de sofrimento e ter raiva, xingar e querer tirar satisfação de um cara que me mandou um beijo é resistir. De fato, eu sofria muito; tinha muito medo.
Nesse processo, resolvi ser menos reativa, ter mais consciência das minhas emoções e sentimentos sobre o assunto e aprender com meu lado sombrio: "O que posso aprender com a minha raiva?"
(Detalhe importante: ninguém pode obrigar ninguém a lidar de uma forma ou outra com essa situação, é uma questão de escolha - a vítima não tem que se sentir culpada!!!)
Quando algum homem me "canta", eu desejo que ele encontre luz... Desejo mais, desejo o mundo ideal... Desejo que todos os homens encontrem a luz e entendam que as mulheres não são pedaços de carne, e sim seres humanos como eles, e merecem respeito. Desejo que eles entendam que nós, mulheres, merecemos viver com menos medo de outros seres humanos (somos um, gente!!!). Desejo que eles sejam mais conscientes e que uma massa crítica seja atingida sobre esse tema. Desejo que controlem seus instintos, porque somos civilizados, seres que possuem moral e ética e com consciência podemos ir além de instintos. Desejo que nosso mundo não esteja mais sob o paradigma do medo, e sim do amor. Portanto resolvi lidar enviando luz e compaixão a esses seres, logo também sou abençoada com paz interior.
Eu seria hipócrita ao dizer que sempre consigo, porque ainda não me iluminei. Depende do dia. Eu tenho sempre a intenção de trabalhar esses conceitos e tenho conseguido suficientemente para que eu me sinta melhor. No entanto, assumo e sou grata por ser privilegiada, já que tenho poucos traumas que impedem outras meninas de desapegar da dor como eu faço. Por isso, entendo que a forma que eu lido é apenas uma das formas, existem muitas outras e todas merecem ser acolhidas e incentivadas.
No meu caso, tenho consciência do meu medo e hoje eu costumo separá-lo em "correr" ou "evoluir": se tenho um medo porque estou sofrendo uma ameaça, corro. Se meu medo não ameaça minha vida e só me traz resistência e raiva, procuro o que posso aprender com meus sentimentos ruins. É um trabalho de autoconhecimento.
Vídeo sugestão: How to heal a emotional body (em inglês).
Levando em consideração que cada um tem um nível de consciência diferente e que cada um lida com as situações da melhor forma que consegue, se eu trabalho para ter compaixão dos homens que fazem coisas que eu desaprovo como ser humano, é claro que tenho compaixão pelas mulheres que se sentem tão revoltadas como eu e reagem de forma diferente. Eu tenho compaixão, sim. Concordo que elas devam expressar-se, sim, seus medos, indignações e revoltas. Isso, ao me ver, é mais que sororidade, é noção de unidade, que somos TODAS UMA.
Sei que toda mulher deve encontrar a forma que se sente mais confortável ao lidar com esse lamentável cenário machista mundial.
Convido quem se sentir à vontade de experimentar a forma que uso deliberadamente: ignoro, de forma consciente, as sem-gracinhas. Abraço meus sentimentos ruins (raiva) e faço uma alquimia de sentimentos (compaixão e perdão). Essa é apenas minha forma, como eu consegui lidar (ela também serve para quem tem raiva de feminista!).
Se o argumento é o amor, não deveria haver compaixão pelas mulheres, ao invés de culpar a vítima? Ou seja, mais uma vez, o machismo reina até mesmo nas palavras de quem, teoricamente, acredita no amor incondicional que rege todos os seres humanos. Cadê a compaixão pelas mulheres que se expressam do jeito que conseguem, a partir da bagagem que possuem? O medo da ameaça de suas vidas é o que guia quase todas as revoltadas (falo muito por mim e do que sei sobre mulheres) e merecem(os) compaixão!
Podemos usar o exemplo mais recente, a hashtag #primeirossedio, para comprovar que a dor existe, é real. Não é apenas drama, não merece deboche e, muito menos, resistência por parte de algumas mulheres e muitos homens. Seja qual for a abordagem de uma mulher sobre o tema, ela é vítima de assédio. Qualquer mulher que falar sobre feminismo está se expressando como pode. Todas as mulheres clamam pela mesma coisa, de formas diferentes: respeito.
Se alguém faz críticas e desmoraliza o movimento feminista por causa da abordagem agressiva de algumas mulheres, esse alguém não está tendo compaixão pelo sofrimento da mulher e sim resistência.
(Procure no Google porque resistência é sinônimo de sofrimento)
A melhor forma de acabar com a resistência ao feminismo (que é o caminho que parei de resistir à realidade que me apresenta) é fazer um trabalho de autoconhecimento. Tentar dissolver o ego, praticar não julgamento, compaixão e perdão. Identificar sentimentos bons e ruins relacionados ao assunto. Abraçar o lado bom e o lado ruim. Estar consciente sobre os sentimentos negativos, não reagir a partir deles, guardar o assunto na "gaveta certa", ou seja, transformar sentimentos ruins em sentimentos bons (isso dá trabalho, boa sorte!). Repita o processo para cada sentimento ruim. Se você ainda tiver resistências ao movimento, resistências essas que você escolheu não lidar, tudo bem, seja consciente delas e não seja o Sujo falando do Mal-Lavado (conhecido como hipócrita).
Atualização: eu falei aqui sobre a resistência ser considerada caminho fácil para o sofrimento, mas não se pode confundir a resistência no sentido que eu expliquei no texto e a resistência do movimento feminista, da luta. A luta pelos direitos, pela não-violência também é chamada de resistência. Nesse caso, eu super apoio e tem o sentido de "permanecer de pé". O que está compartilhado aqui é apenas minha experiência e como eu lido com a situação (e ainda corro o risco de "estar errada", aceito isso!)
Esse vídeo esclarece esse ponto:
https://www.youtube.com/watch?v=uFeXWltRmwMSejamos felizes.
Sobre isso, um post meu mais antigo:
http://www.gabi.blog.br/2014/01/sou-linda/