Se desejar, um play pra acompanhar 🙂


(pra quem quiser ler a letra da música: Volverá - El Canto del Loco + Alejandro Sanz )

    O dia dele começou agitado, andava de um lado pro outro sem parar. Sono não sentia desde a madrugada. Seus movimentos que eram sempre milimetricamente controlados já não faziam mais sentido, quando parava para perceber-los tinha feito vários sem querer. Ele sempre foi agitado, mas não daquela maneira.

    Passou a manhã toda sem sossegar, ele não parava quieto, literalmente. Não falava coisa com coisa. Ao passar do dia seus amigos nem estavam o reconhecendo direito, eles sabiam que algo havia de errado, tentaram entender, mas não conseguiram, o que sobrou para fazer era tirar sarro de suas esquisitices.

    Até mal em uma prova ele foi, coisa rara pra ele. Tudo o que pegava deixava cair, esbarrava com tudo nas pessoas, portas, muros e paredes. Queimou o macarrão. Passou o dia olhando pra baixo, com a cabeça fora do lugar. Pensou que estivesse enlouquecido. “Além de tudo, enlouqueci!”.

    Depois da aula, não pôde fazer suas tarefas diárias, faltou em um monte de compromisso, tentou dormir com o sono que de repente bateu, mas foi em vão. Primeiro porque dormir o fazia sentir uma culpa ainda maior pelos compromissos perdidos. E também porque só tinha uma coisa preenchendo o pensamento dele, mas não sabia o que fazer em relação àquilo.

    Depois decidiu. “O que importa é chegar à festa, mesmo que ao chegar, não tenha mais festa”, esse era o lema dele. Sabia que teria alguns obstáculos, mas iria tentar. “… mesmo que ao chegar, não tenha mais festa”, ele repetia. As pessoas começaram a se preocupar com ele, mas não pela chance de ele ter enlouquecido, mas porque estava obvio que algum problema existia. E como de costume, não se abria com ninguém, nunca. Sempre foi daquela maneira, seus problemas resolvia sozinho. Fazia questão de ser independente em tudo, até no que não precisava. “Você nunca conheceu alguém tão independente”, dizia ele.

    Na primeira tentativa de sair, ao chegar perto do carro, encontrou com um antigo amor dele. Uma mulher por quem ele foi apaixonado por um longo período de tempo. Ela olhou pra ele, como se quisesse fugir dali. Ele olhou pra ela, sorriu e passou reto. Passou reto como nunca tinha passado reto dela antes. Com tantas idas e vindas, quando por fim o relacionamento dos dois acabou, ele nunca tinha conseguido fazer isso. Por isso até que ela o evitava. Sempre que eles se encontravam o coração dele acelerava. Mas dessa vez tinha passado reto sem se sentir culpado. “Chegar à festa…”, pensava.

    Agarrado a um saco plástico de mercado, entrou no carro. Aquele não era um dos melhores dias, mas achava que não havia problema nenhum dirigir. Não estava tão descontrolado assim. Mas era o que acreditava, mal sabia ele que não tinha condições pra tal ato de coragem. Pelo sono, pela distração, pela agitação… Ligou o carro e em um quarteirão perdeu o controle e foi parar num poste. “Aquele poste não existia ali antes”, ele pensou, “o que está acontecendo comigo?”, se perguntou. A não ser um galo na cabeça, nada mais aconteceu com ele, só o seu carro que teve que tirar umas férias.

    O pequeno incidente tomou largas horas dele, um tempo que julgava não ter. Sem carro, sem tempo e com um galo na cabeça, já não sabia mais o que fazer. “Nessa festa eu não poderei ir”, pensou. Ele sabia que tinha que tentar, que se ele não tentasse fazer o máximo, ele nunca saberia o que estaria perdendo.

    Ele tinha medo de fazer tudo para algo acontecer a vida ter preparado uma cilada para ele e se decepcionar, mas tinha medo, ao mesmo tempo, de não tentar o máximo que podia e a vida ter preparado a ele, por isso o lema que formulou pra sua vida. Se uma festa estiver marcada, temos que ir. Mesmo que tudo dê errado, temos que ir porque nunca se sabe o que vamos perder, se é bom ou ruim. Temos que fazer de tudo para chegar, mesmo que quando chegar já não tenha mais nada, mesmo que a polícia tenha acabado com a graça. Porque se não, nunca saberíamos.

    Não demorou muito para ele se interar dos horários dos ônibus noturnos. Quando não havia mais ninguém acordado em sua casa, para eles não confirmarem o que passava por sua cabeça, que ele estava louco, esperou. Não muito acostumado com esse transporte, errou duas vezes, mas percebeu logo o erro para tomar o rumo certo. Mesmo assim, fez seu tempo curto se encurtar ainda mais, mas depois que já estava no meio do caminho, tinha que continuar. Pensou muitas vezes em desistir, mas se voltasse atrás, nunca saberia.

    Quando finalmente chegou à casa, lá pelas quatro e meia da manhã, não sabia o que fazer. Ficou na dúvida se apertava a campainha, se gritava ou se ligava antes do celular dela. Não sabia. Andou mais um pouco pra lá e pra cá. Seus gestos foram ficando mais tranquilos aos poucos. Parou de frente pra porta e pendurou o pacote de presente no portão. E assim ficou, e assim foi se afastando. Abriu o bolso e acendeu um cigarro. Voltou pelo caminho que veio pra esperar o ônibus, que só chegou depois de uma hora e meia. Mesmo assim, estava feliz, calmo.

    Quando chegou em casa era um pouco mais de sete horas. Seu corpo não respondia mais por ele mesmo, assim como na ida, se perdeu pra voltar. Carlos só conseguiu deitar na cama e dormir, seu dever estava cumprido. E quando acordou lá pelas três da tarde, seu celular tinha uma mensagem de voz, aquela voz suave que tinha sonhado o sono inteiro: “Obrigada pelo presente e pela carta. Sinto muito por tudo o que você teve que passar pra chegar aqui a tempo no dia da minha viagem. Quando a gente menos perceber, já passou o tempo e eu volto. Fico feliz de saber que você vai me esperar. Vou morrer de saudade, mas volto pra você. Eu também amo você loucamente.”, e ficou feliz por ter chegado na festa, mesmo que ela já, aparentemente, tivesse acabado.