Há algum tempo me deparei no seguinte conflito: como posso estar em paz, num mundo cheio de injustiça? Parecia que carregava em minhas costas todo peso do mundo. Percebi que estar em busca pela paz não significa aceitar situações ruins ou fingir que elas não existem, significa manter um estado de tranquilidade enquanto faço o que estiver ao meu alcance para colaborar por um mundo melhor.
No meu caminho de autoconhecimento estou adquirindo algumas convicções, como as premissas: "prefiro estar em paz a estar certa" e "não posso mudar os outros, só posso mudar a mim mesma". Ao mesmo tempo, como poderia não lutar pelo que acredito? Minha razão diz, então, que eu tenho que fazer algo em relação à realidade do mundo, mas minha intuição me leva para esses conceitos iniciais, e eu me via numa contradição.
Se eu paro de lutar e fico em paz, caminho em direção ao conformismo? Estaria me tornando resignada?
Com ajuda do meu livro preferido, o dicionário, alguns conflitos semânticos se tornaram mais claros. Em 2013, ganhei do meu irmão o "novíssimo Aulete". De acordo com ele, alguns dos significados de resignação são: "submissão aliada à constância e paciência face aos infortúnios; paciência no sofrimento, coragem para suportar os rigores dos infortúnios, constância em uma situação sem que se reaja contra ela, ou sem que o paciente se lamente dela". Já o resignado é quem "se submete voluntariamente a uma força superior, que se conforma com sua sorte".
Coragem e paciência combinam comigo, mas submissão e conformismo - nem de longe! Então, como resolver essa contradição? O que me ajudou foi a definição da palavra resiliência: "propriedade de um material retornar à forma ou posição original depois de cessar a tensão incidente sobre o mesmo; capacidade de um ecossistema retornar à condição original de equilíbrio após suportar alterações ou perturbações ambientais; habilidade que uma pessoa desenvolve para resistir, lidar e reagir de modo positivo em situações adversas".
Como pode ver, essa palavra expressa muito melhor a coragem e paciência de lidar com infortúnios, sem cair na cilada da submissão e conformismo. No entanto, tenho que fazer uma observação sobre a palavra resistência (aproveitando que estão todas essas definições na mesma página 1193 do meu Aulete).
Resistência tem 20 definições. Para mim, os conceitos mais importantes aqui são: "embaraço, dificuldade, oposição, recusa feita aos desígnios de outrem", "força que anula os efeitos de uma ação destrutiva" e "dificuldade de trazer elementos recalcados de volta ao nível de consciência".
Ou seja, resistência pode ser ruim quando temos dificuldade de lidar com situações que não nos agradam, ou a insistência de reagir de forma contrária, sem jogo de cintura, com uma teimosia do ego em estar certo. Ainda que seja quase unânime o fato de matar, estuprar e roubar ser errado, ainda há gente que faz tudo isso e não temos perspectivas que vá mudar tão cedo.
No entanto, se uma definição de resiliência é a capacidade de resistir e estou defendendo que resiliência é uma coisa boa, acredito que a resistência dos resilientes diz respeito à força que anula os efeitos de uma ação destrutiva, ou seja, a capacidade que uma pessoa tem de se manter em pé, na paz, mesmo com o ambiente externo atormentado. Habilidade de dançar conforme a música, ter jogo de cintura.
Durante meus processos, descobri que não sou resignada, não aceito opressão, desigualdade, injustiça e comodismo. Como eu podia aceitar a miséria que conheci de pertinho trabalhando como voluntária na ONG Teto? Como eu poderia viver em paz sabendo que é humanamente impossível mudar a realidade em apenas uma vida?
Nessa etapa da minha jornada, tudo que encontrei foi sofrimento, sem que meu coração enxergasse esperança. Sinto que assim está a maioria das pessoas. Ao ficarmos indignados com a realidade que se apresenta, a sensação de incapacidade pode tomar conta de nós, porque realmente não há muito que possamos fazer para mudar toda a realidade. Quantas vezes já pensamos que nossa única saída é se rebelar, xingar a presidente e o governador nas redes sociais, dizer que "bandido bom é bandido morto"? Quantas vezes não deu vontade de fazer justiça com as próprias mãos? Já me rebelei, tentei fazer barulho. Nunca mudou nada na minha realidade fazer apenas isso. Tive que ir atrás de um equilíbrio.
Eu sempre fui a favor da paz e do amor, mas minha indignação e raiva comandavam minhas reações, o que era extremamente prejudicial para minha saúde física e emocional. No entanto, baseando-me nas duas premissas do início, por mais guerreira que eu fosse pelas causas nobres, ainda não tinha paz. O partido político que escolhi apoiar não é nem de longe o preferido da maioria; a pobreza não é vista mesmo que a gente esfregue na cara das pessoas; ricos querem seguir sendo ricos e mais ricos; a indústria segue vendendo produtos que as pessoas literalmente se matam e matam para ter; a mídia continua propagando a cultura do medo. Não há consenso, não há paz no exterior.
Por isso, percebi que o estado de paz e felicidade não pode depender do ambiente que me cerca, da sociedade e do sistema. Isso clareou meus pensamentos, agora eu sei o verdadeiro significado da frase de Gandhi "seja a mudança que quer ver no mundo". A melhor coisa que fiz foi praticar conceitos para o aquietamento do ego como o não julgamento, o desapego, o perdão, entender que cada pessoa possui um nível de consciência e que todos estão tentando fazendo o melhor com o que tem naquele momento.
Ainda que uma pessoa se dedique 100% a uma causa justa, que faça diferença local, ela nunca vai mudar o mundo todo. Nem Jesus histórico conseguiu, e ainda foi assassinado por propagar o amor. É preciso ter consciência e gratidão pelas vitórias, por menor que sejam. Devemos fazer tudo o que estiver em nosso alcance, dar o nosso melhor e nos sentir satisfeitos por isso. Não podemos mudar o mundo todo, mas podemos colaborar para que ele seja um mundo melhor.
Minha busca pela paz não exclui minha participação política e social
Não vale mais a pena, pra mim, me desgastar. Isso não exclui a possibilidade de eu me dedicar algumas boas horas de meu dia para me manifestar a favor de uma causa. Isso não exclui a minha participação política e social, sempre que eu julgar necessária. E, principalmente, isso não exclui usar minha indignação e raiva em prol de uma atitude positiva. Eu só não preciso prejudicar meu estado emocional ao fazer isso. Decidi, então, ser resiliente: "propriedade de um material retornar à forma ou posição original depois de cessar a tensão incidente sobre o mesmo". Em momentos de crise política, econômica e social faço o meu melhor, o que está ao meu alcance.
Minha conclusão é que o mundo exterior não pode comandar nosso mundo interior. Sempre haverá injustiças, simplesmente porque as pessoas são diferentes, pensam diferentes e entendem diferente o que é certo e o que é errado. Minha paz interior não pode se prejudicar por causa do mundo exterior. Para mudar o mundo, percebi, precisei mudar o meu mundo. E está sendo divertido. Eu posso até estar errada, mas é essa mudança que quero ver no mundo, então estou sendo ssa mudança.
É um processo contínuo, não estou totalmente preparada para encarar todas as situações assim, mas fico feliz de estar no caminho de ter a "habilidade que uma pessoa desenvolve para resistir, lidar e reagir de modo positivo em situações adversas".
Esse assunto é bem complexo, talvez eu não tenha conseguido expressar toda a idéia. Adoraria iniciar um diálogo sobre isso com alguém, para que eu possa me aprofundar nesse assunto e, consequentemente, evoluir.
Sejamos felizes 🙂