Nick... Tá acordado? Nesse momento em que lê minha mente, se puder ler, não estou dormindo porque o cheiro do cigarro é muito forte e meu olho arde. Fiquei olhando ao redor do quarto, as coisas continuam no mesmo lugar, as mesmas bagunças e a mesma decoração. Só a TV que ficou maior...
A casa de madeira me traz boas lembranças... Costumávamos frequentar há uns 4, 5 anos. Era sempre o mesmo cheiro, a mesma atmosfera, mas agora não é mais. Agora seu quarto cheira cigarro, algumas mulheres já passaram por aqui, a sua cama virou de casal e os livros de escola foram substituídos pelos da faculdade.
Estamos mais velhos.
Quando éramos mais novos, Nick, não nos desgrudávamos, éramos muito amigos e já brigamos muito, se lembra? Por qualquer motivo, alguns bestas, outros não. O que faltava entre nós era mais tolerância, porque amor sempre teve...
Inclusive era um amor que eu nunca entendi. Amor de amigo, amor de irmão. Andávamos de mãos dadas, em baixo das cobertas nos beijávamos algumas vezes e depois era como se nada tivesse acontecido. Com você foi que eu descobri a amizade colorida, aquelas que é mais que amigo e menos que namorado.
Depois dá uma olhada embaixo da TV nova, vou deixar meu colar com um pingente pra você não se esquecer de mim. Notei que de todos os amigos de antes, eu sou a única que não tem uma foto grudada na sua parede.
Antigamente me interessava pelo seu jeito, era um misterioso fofo que se abria comigo de vez em quando, me fazia até pensar que eu era especial, que a gente tinha algo diferente do que rolava com as outras meninas, mas fui notando e parando de me iludir, percebi que você era mesmo daquele jeito com todos.
Eu me lembro que em um aniversário seu, depois de eu declarar todo o meu amor por você em uma carta, eu pensei: “que espécie de pessoa é essa que depois de tudo o que eu falei, insistiu e implorou que eu ficasse com seu melhor amigo?”, era porque essa pessoa era apenas um amigo meu... nada mais... talvez não importasse a espécie, iria sempre ser amigo.
A medida que fui te conhecendo, poucas vezes me iludi pensando haver algo exclusivo entre você e eu. Uma das vezes estava quase, foi uma promessa que salvou... Foi o dia em que você estava cuidando de mim, pois havia bebido demais de dia e ainda estava um pouco tonta.
Lembra? Nos finais de semana costumávamos virar a noite conversando sobre qualquer coisa, desde que estivessemos juntos. Nesse dia que bebi todas, passamos a noite inteira acordados trocando confissões, você disse que eu era parecida com sua ex namorada, até que consegui me iludir e nos beijamos.
Depois do beijo, você me disse que não era certo e não podíamos ficar juntos. Você me fez prometer que eu não me apaixonaria por você, e eu prometi. Foi uma promessa do fundo do coração que às vezes me arrependo de ter feito. “Eu não vou me apaixonar por você, Nick”. Nunca vou me esquecer.
Com toda certeza essa promessa viria salvar meu coração de uma grande dor, uma enorme decepção um dia, mas na hora imaginei que fosse acontecer como nos filmes de romance, onde você imploraria para que eu esquecesse a promessa. Mas vejo que foi bom tê-la feito.
Depois nos beijamos e continuamos igual muitas outras vezes, eu sempre queria, sempre pedia. O desafio era você querer, não por meu beijo não ser bom, você dizia, mas porque não e pronto, completava. Seu beijo era bom, a gente tinha um lance. Seu cabelo era macio, dava vontade de ficar a noite inteira passando a mão nele.
Quantas vezes eu não dormi aqui? Parece que meus pais confiavam em você. Eles acreditavam que não íamos fazer nada errado, e é claro que estavam enganados. Já aprontamos muito nessa casa de madeira. Lembranças que voltaram assim que pisei no primeiro degrau da escada. Lembrei da vez em que fumei meu primeiro beck, deu um barato diferente das outras vezes.
Mas hoje não consigo dormir. Quem tá comigo aqui em baixo no colchão não é você. Você nem me abraçou hoje. Nossos amigos todos reunidos aqui, Nick, estou muito feliz com isso. Seu melhor amigo está aqui comigo, dividindo a cama, como nos velhos tempos de amizade. A gente ficou de novo na hora do filme, sabia? Aposto que sim. E aposto que não se importa.
Você sabe muito bem que se quisesse, o beijo seria seu. O beijo sempre vai ser seu. O beijo com romance, digo.
Eu espero que você realmente não consiga ler pensamentos. E eu sinto muito por tudo o que sinto. Você nem sabe, mas aquela promessa já estava quebrada desde antes do dia que eu a fiz.
Quer dizer, talvez você saiba... e talvez seja por isso que está segurando minha mão assim, desse jeito que eu queria pra sempre ficar com você, apertando bem forte pra não soltar.