Conversei com o espanhol Josu Mezo, editor do blog Mala Prensa (em espanhol) e descobri coisas interessantes sobre a imprensa espanhola. Se nós tentarmos, conseguiremos melhorar a imprensa no nosso país. Leia e aproveite as dicas do professor.

Quem é Josu Mezo?


Ele é licenciado em direito, mestre em ciências sociais, doutor em ciências políticas e professor na Universidad de Castilla-La Mancha, em Toledo, Espanha. Em 2004, criou sua página web para o público que se interessasse por atualidades, notícias, informações, meios de comunicação. De lá pra cá, foi percebendo que quem lê e participa mais ativamente são jornalistas ou pessoas relacionadas profissionalmente aos meios de comunicação.






Sobre o blog


O blog comenta e denuncia erros que o editor e seus colaboradores encontram ao ler um jornal ou ao assistir um noticiário. A ideia surgiu, de acordo com a descrição da página, por uma obsessão pessoal, que compartilhava com seus amigos, sobre a baixa qualidade da imprensa.
Mas não aquela qualidade inferior relacionada à manipulação proposital motivados pela política. Mas sim aqueles erros que os jornalistas não percebem por ignorância, a falta de tempo ou recursos, pela maneira do sistema de produção ou como estão organizados seus meios. Seu blog é composto por detalhes. Pequenos erros da imprensa que dão menos credibilidade ao que deveria ser um serviço público.




Manipulação proposital e erros que não deveriam existir

Ele me disse que a manipulação proposital é um tema muito discutido e, ele espera, que a maioria das pessoas tem consciência dela. Esse tipo de erro é realmente muito grave e existe muito. Mas há também outros erros importantes, como os que ele aponta no blog, que passam despercebidos pelas pessoas.

Aparentemente há uma consciência do público, mas ele acredita que seria melhor se as pessoas soubessem da capacidade que tem para entender as notícias. Nós deveríamos nos armar com certas ferramentas críticas para sabermos do valor que cada informação tem ao lermos uma notícia científica, social, alguma estatística ou comparações de fenômenos.

Isso porque há certos casos que falta um pouco de conhecimento de mundo, em matemática bem básica ou de lógica para perceber que alguns números são apenas variações normais, de por exemplo, ano a ano, e não significa quase nada. Por isso tem que haver o espírito, a mentalidade, a ideia e conhecimento de como funciona os meios de comunicação.


Ensinando os jovens como a imprensa funciona.

Ele comentou que deveriam ensinar aos jovens como é essa dinâmica da imprensa. Para eles saberem que, por exemplo, os meios dependem muito de informações que foram elaboradas por outras fontes, algumas vezes, uma única. E que esses meios não têm muitos recursos para reelaborar ou analisar esse dado, vinculam da maneira que foi entregue, sem verificar. Temos que desconfiar quando a notícia vem de apenas uma fonte, como uma nota à imprensa de uma multinacional, por exemplo.




Censura, auto-regulamentação e punição pelo cliente

Sobre punição para os erros flagrados na mídia, ele acredita que o melhor “castigo” para o meio que publicou o erro seria o expor um pouco ao ridículo e perder clientes, no caso, espectadores, ouvintes ou leitores.

Ele disse que tenta fazer sua parte comentando e divulgando os erros que encontra, mas pensar que a televisão vai deixar de mostrar gráficos de uma maneira ou de outra só porque o público se incomoda, é muita ingenuidade. Até porque se eles não se importam em preencher sua programação com lixo, ninguém vai pensar que estão dando estatísticas erradas. No entanto, “pôr uma autoridade para colocar uma multa econômica ou algo, seria um disparate”, ele diz. O que poderia haver é uma sanção moral ou conselhos que os meios aderissem voluntariamente e que tenha que seguir as regras aceitas de antemão. No Brasil há o FENAJ e na Espanha a FAPE.



Estudantes de Jornalismo


Como nós, novos jornalistas, podemos atuar com ética se dependemos da linha editorial para mantermos nosso emprego? Quando eu perguntei isso, ele disse que, francamente, não tinha uma resposta. Disse também que é uma situação muito difícil e delicada e que não gostaria de estar nela. Mesmo que nosso meio exija que sejamos antiéticos de vez em quando, temos que tentar ganhar pequenas batalhas dentro do jornal, para tentar fazer as coisas mais certas. E também quando não estamos na “linha de fogo”, quer dizer, se não escrevemos as matérias de capa ou editorial, talvez possamos usar uns critérios mais decentes, quando escrevemos notícias que não tem tanta inclinação política. Josu comentou ainda que, por causa do blog, acabou conhecendo jornalistas e que são pessoalmente muito honestos, mas têm que cumprir algumas ordens. Só que eles mesmos têm consciência disso, até riem e zombam de seus próprios chefes.



Credibilidade


Não é porque Mezu é advogado, mestre, doutor e professor de universidade que as pessoas param para ler seu blog. A internet é um meio muito democrático, segundo ele. Nela não é preciso estar vinculado a grandes jornais, editoras, grandes marcas, quem lê e gosta do que ele escreve, não precisa saber antes qual é sua formação. A pessoa simplesmente gosta do conteúdo. Ele começou do nada, não tem formação na área da comunicação e mesmo assim existe público, que ele diz não ser grande. E algumas pessoas até colaboram. O que muda por sua formação e por ser tanto tempo como professor é a forma que ele pensa, expressa e forma o conteúdo de sua página.

Sendo assim, noto que qualquer cidadão interessado ou que sinta necessidade de começar um espaço para discussão e análise de qualquer tema, até mesmo relacionado a isso, poderá ter sucesso. Ele me contou que começou do nada, comentando nos blogs de outras pessoas do mesmo tema, fazendo parte de discussões e sempre assinando com seu link, para que os outros passassem a conhecer. Ou seja, se cada um fizer sua parte, se conscientizar e colocar em prática, pode ser só um grão de areia, mas já é uma grande coisa.





Espanha e Brasil, alguma semelhança?


A imprensa espanhola realmente tem muito erro de todo tipo. Mas o que isso tem a ver com nosso país?
Meia hora de jornalismo na TVE, no Telemadrid, no Telecinco ou fazendo uma leitura crítica dos jornais  em destaque daqui como ABC, El Mundo ou El País me fez valorizar muito a imprensa brasileira que, para mim, na forma, tem uma qualidade superior.
Mas qualidade da forma não garante qualidade no conteúdo. Isso não significa que a imprensa não erra. Mas o ponto positivo é que os erros cotidianos por falta de atenção, ignorância ou apenas falta de tempo, não acontece com tanta frequência como aparentemente acontece aqui. O ponto negativo é que os erros de propósito por inclinação política estão estampados em cada capa de revista, jornal ou no tom de voz da apresentadora do jornal das 20h... E muita gente não percebe isso.

Josu Mezo comentou que aqui na Espanha ele acredita ter mais conscientização sobre a manipulação proposital do que sobre os erros cotidianos. Deve ser porque os erros são tão escancarados que se percebem mais.

No Brasil não. Os erros parecem que não estão ali. O dito parece ser única verdade e que não existe parcialidade por que não deixam explícito. Claro que quando o apresentador é grosso com a candidata do partido que a rede não apóia desde quando Collor foi eleito, as pessoas percebem e comentam, ainda mais hoje com as redes sociais a flor da pele, mas não é a mesma coisa.
No Brasil se percebe os erros pequenos, mas não se percebe o jogo de interesses. Levam como verdade a capa da Veja, da Folha e do Estado e tudo o que se diz no Jornal Nacional é a realidade.
Temos que conhecer nossos meios de comunicação para entender que não é assim. Todos têm seus interesses. E a desculpa, o que é também a solução, é: o conteúdo é o interesse do público e não interesse público.

Continue lendo sobre a manipulação da mídia nos links Manipulação Midiática  e Como a mídia desvia sua atenção dos assuntos importantes